Coronavírus

Isoladas, famílias encontram formas de driblar a ansiedade

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Monalisa e o marido Eduardo fazem atividades em família com os dois filhos, para encarar a restrição de convívio social / Foto: Divulgação

A fonoaudióloga Monalisa Alencar, 29 anos, é natural de Fortaleza, no Ceará, e mora em Lages há apenas oito meses. Ela, o marido e os dois filhos, um de 4 anos e outro de 5 meses, vivem em um condomínio na região leste da cidade. “Somos cearenses, gostamos de gente, de estar juntos. Estes dias têm sido um grande desafio”, cometa.

Assim como milhões de brasileiros que estão em restrição de convívio social em função do coronavírus, Monalisa está encarando inúmeras mudanças na rotina diária, mas não poder sair de casa nem receber visitas têm sido a parte mais delicada. “É muito difícil pra uma família que costuma estar bem próximo das pessoas, estar sempre socializando e interagindo, estar nesse momento de isolamento, recluso, é muito desafiador. Por mais que você tenha uma mente boa, por mais que você tenha criatividade, por mais que você tenha jeito, experiência pra lidar com crianças ou ficar em casa com elas, é difícil. Acho que nós precisamos tentar manter a tranquilidade e o equilíbrio, porque se não fica maluca. Sem poder sair pra nada, é bem difícil”, desabafa.

A fonoaudióloga conta que, se pudesse escolher, neste momento de tensão preferia ter voltado para Fortaleza para ficar ao lado da mãe, da sogra e de outros familiares. “Essa incerteza, de você não saber o que vai acontecer, traz muita coisa à tona. Se eu pudesse, estaria junto deles nesse momento, pra esperar isso passar. Mas eu sei que é totalmente inviável, devido à necessidade que temos de ficar em casa.” 

Mas Monalisa sabe que, devido a atual situação imposta pela pandemia do coronavírus, distância não é o principal fator para mantê-la longe da família. Isto porque ela tem outros familiares que moram no mesmo condomínio, pessoas que era acostumada a ver diariamente e com quem jantava ou tomava café da tarde quase todos os dias.

“Temos o costume estar sempre juntos porque é um hábito da nossa família, mas a gente não pode fazer isso agora e está sendo muito difícil. A madrinha dos meus filhos vinha aqui todo dia ou a gente ia pra lá, e não ter este contato está sendo difícil até pra eles. A gente fica até com receio de sair pegar um vento, sentar num banco, porque o medo é muito maior”, conta. 

 

Governo amplia prazo de restrição

A restrição do convívio social em Santa Catarina, decretada pelo governador Carlos Moisés da Silva (PSL) desde o dia 18 de março, como forma de tentar conter o avanço da Covid-19 no estado, deveria encerrar nesta terça-feira (24). Contudo, por medida de segurança, foi estendida e agora deve terminar no fim do mês.

Desde quando o decreto foi anunciado, apenas serviços considerados essenciais continuam em funcionamento e as pessoas estão sendo orientadas a permanecer em suas casas, sem visitar amigos ou familiares e saindo apenas para fazer compras, quando for estritamente necessário. O objetivo é frear a evolução dos novos casos confirmados em Santa Catarina – pois o estado registrava 86 casos da doença, conforme atualização de segunda-feira (23).

Restringir o convívio social não é tarefa das mais fáceis para a maioria das pessoas, especialmente porque, devido a atual situação, o recomendado é que todos permaneçam dentro de suas casas, sem que seja possível sequer dar uma volta pelo bairro para espairecer.

 

Família encontrou refúgio no interior do município 

A família da representante comercial Gislaine Machado, 37 anos, encontrou outra forma de driblar estes dias de restrição. Como também moram em apartamento, em Lages, mas têm casa no interior, eles preferiram ir para o sítio para aliviar a tensão. “Eu, minha mãe e meu esposo decidimos ir pra chácara porque lá temos mais liberdade, podemos sair de dentro de casa, arrumar o jardim, mas sempre evitando contato com outras pessoas”, conta.

Gislaine ressalta que, por ser distante da cidade, o local oferece para a família mais condições de isolamento o que, consequentemente, faz com que sintam-se mais seguros. “Eu saio somente quando há necessidade de comprar alguma coisa, mas minha mãe, que tem mais de 60 anos, está isolada há uma semana.”

Apesar de estarem distantes da cidade, a representante comercial conta que sua família mantém todos os cuidados recomendados pelas autoridades em saúde: não tem contato com vizinhos, mantém a casa bem higienizada e sempre usam álcool em gel. Gislaine está trabalhando em home office, com uma carga bem menor do que em dias comuns, o trabalho do seu marido está suspenso e a mãe é aposentada. “TV, filmes, jornais, leitura e jogos de baralho acabam se tornando companheiros nesses dias. O contato com amigos e familiares tem sido via internet, faz falta [tê-los por perto], mas é mais importante todos terem consciência que nesse momento esse distanciamento é necessário”, completa.

 

Isolamento social não é sinônimo de férias

 

A psicóloga e psicanalista Andrea Oneda explica que a restrição de convívio social pode trazer agravos para a saúde mental, especialmente porque a população, de uma forma genérica, é bastante habituada a estar fora de casa.

“Quando o teu limite é a porta da tua casa, o mundo lá fora passa a ser muito mais interessante do que era antes. É mais ou menos esse mecanismo que o nosso cérebro utiliza pra achar que é tão tentador estar lá fora. Uma pessoa que gosta de estar em casa, gosta de estar lá com o pré-requisito de que possa sair. Tirando este pré-requisito, ficar em casa sendo a única opção não é mais tão sedutor quanto antes. Começa a se tornar um problema, porque não é mais sedutor nem divertido.”

Ela explica que, especialmente na última década, a população se habituou a estar fora de casa, envolta com atividades externas ao lar e, mesmo quando estavam em casa, muitas pessoas continuavam mais conectadas com o mundo exterior (pela internet), do que com quem estava fisicamente ao seu lado.

“As pessoas estavam muito voltadas pra fora e agora tiveram que se voltar pra dentro, porque o trabalho está suspenso, as crianças não têm aula e todos tiveram, obrigatoriamente, que retornar às suas famílias. E aí as pessoas voltaram a encontrar seus pais, voltaram a encontrar suas esposas, seus esposos, seus filhos e não estão sabendo muito bem o que fazer com isso. O refúgio da internet não é mais suficiente, porque, por mais que fique na internet muito tempo, as pessoas não conseguem ficar 10 horas, 16 horas direto. A saúde mental pode ser afetada”, avalia.

Andrea Oneda – Psicóloga

 

Manter rotina é uma necessidade 

A incerteza por não saber exatamente o que pode acontecer, tampouco quanto tempo vai durar esta restrição de convívio social, são dois inimigos da saúde mental. Andréa explica que é comum, nestes casos, que as pessoas apresentem dois quadros: a negação, que é ignorar um fato (a pandemia, neste caso) ou desdenhá-lo; e o desespero, que acontece quando alguém superestima um problema, sentindo extrema aflição, angústia ou irritação.

“O que a gente pode fazer em relação a isso é achar um caminho do meio. Encarar a situação no momento presente e aceitar que é preciso estar em casa. Não adianta ficar pensando em quanto tempo isso vai durar. Do ponto da saúde mental, isso não é muito útil.”

Para driblar os sentimentos que o isolamento social pode provocar, Andréa recomenda que é importante manter uma rotina diária para crianças, adolescentes, adultos e idosos, diferenciando os dias úteis (nos quais teoricamente haveria aula e horário de trabalho a cumprir), dos finais de semana. 

“É preciso tentar manter uma rotina, que não vai ser igual ao que já estamos habituados, mas tem que fazer algo que seja um guia, pra que continue fazendo as coisas que um ser humano faz. Esse é um momento que a gente está se redescobrindo e reaprendendo algumas coisas, como conviver com nossos familiares”, explica.

Não olhar notícias, tampouco procurar na internet por casos de morte provocadas pelo coronavírus, por exemplo, são outras duas dicas para evitar estresse mental e ansiedade neste período. Outra dica de Andréa é que as pessoas que já estavam passando por tratamento psicológico antes que tudo isso iniciasse, devem manter as consultas, mesmo que a distância. Ela recomenda, ainda, que quem sente ansiedade ou tem crise de pânico, provocadas por este momento de reclusão, deve procurar ajuda de algum psicólogo ou psicanalista, visto que muitos profissionais estão oferecendo até mesmo atendimento gratuito pela internet.

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