Movimento antivacina é ameaça à saúde pública

Situação reduz procura nos postos de saúde e provoca reaparecimento de doenças erradicadas

SUSANA KÜSTER

susana@correiolageano.com.br

Ativo, bochechas rosadas, brincalhão, falante e com o peso ideal para a idade, o menino de dois anos, aparentemente está saudável, mas recebeu até hoje somente uma vacina. Ele mora no interior de Palmeira (Serra Catarinense) com os pais, que decidiram não vacinar. Para eles, as vacinas são tóxicas e fazem mal. Para ter certeza que tudo está bem com o filho, eles dizem que fazem exames de sangue frequentes. São adeptos do movimento antivacina, um fenômeno mundial, que ganha força no Brasil e tem feito, segundo especialistas, doenças que estavam erradicadas, como sarampo, poliomielite, difteria e rubéola voltarem a afetar a população. A situação é tão séria que até a última terça-feira, apenas 14% das crianças brasileiras haviam sido vacinadas contra sarampo e pólio. O que os pais não sabem é que esse movimento surgiu a partir de uma fraude e que, em casos extremos, quem não vacina pode perder a guarda dos filhos.

 

Em Palmeira, a mãe do menino de dois anos prefere não se identificar, mas explica os motivos que convenceram ela e o marido a fugir das vacinas. Eles analisam que algumas pessoas idosas são saudáveis e não tomam vacinas, e outras com a carteira de vacinação em dia ficam doentes com frequência. Pensam que se as vacinas dessem efeito, os hospitais não estariam sempre cheios. “Não vamos colocar em um organismo com pouca defesa, porque está em desenvolvimento, alumínio, chumbo e outros metais pesados que estão nas vacinas”. Antes de ter o filho, o casal já tinha decidido não vacinar.

Como vivem em um sítio, consomem alguns alimentos que plantam sem agrotóxicos, tomam água direto da fonte, sem nenhum tratamento, e evitam viajar. Poucas vezes vão para Lages, pois não gostam de sair de Palmeira. “Às vezes enxergamos um girino na água, mas isso é melhor do que colocam nela para a gente tomar”, avalia ela, sugerindo que a água tratada não é boa para o consumo.
A mãe do menino afirma que ele nunca ficou doente e que se a vacina dá efeito é porque as pessoas têm fé nela. “A vacina é como se fosse religião, se você acredita, dá certo”. Por enquanto, o menino que tem dois anos, não estuda. Nas escolas, a carteira de vacinação em dia é exigida e isso não preocupa os pais. “Agora decidimos o que é bom para ele. Vamos buscar nossos direitos se não deixarem ele estudar. Se um dia ele quiser ir para o exterior, vamos atrás de um advogado”.
Ela conheceu uma pessoa que tinha as vacinas contra H1N1 em dia e morreu da doença. Isso aumentou a crença de que vacinar é ruim para o organismo e não previne. Sobre o fato de doenças erradicadas estarem voltando devido ao movimento antivacina, ela acredita que é invenção do governo.

Risco X Benefício

Como qualquer medicamento, as vacinas podem causar efeitos adversos. Mas eles são pequenos comparados aos benefícios. Conheça as principais reações e sua incidência por vacinados.

BCG

10% 

Gânglios ou abcessos na pele e nas axilas

Dengue

-1% 

Gânglios, tontura, enxaqueca, náuseas

Penta bacteriana

1,9% 

Febre a partir de 40 graus

Febre amarela

Entre 2007 e 2012, a ocorrência foi de 0,42 casos por 100 mil vacinados. Reações alérgicas, encefalite, meningite, doenças autoimunes envolvendo sistema nervoso central e periférico e danos parecidos aos da doença

Influenza

20% 

Dor, vermelhidão e endurecimento no local da vacina

Poliomielite oral

Polio associada à vacina (o vírus do imunizante causa polio em quem tomou ou convive com a pessoa). 1 caso para cada 3,2 milhões de doses

Tríplice viral

-0,1%

reações locais

1 caso para cada 2,5 milhões de vacinados com a primeira dose

*Inflamação da meninge (em geral benigna)

 

Associação com autismo descartada

Fraude de um médico foi que originou movimento antivacina

O dia 26 de fevereiro de 1998 marcou o início de uma desconfiança internacional sobre vacinas que continua até hoje, mais de 20 anos depois. A culpa é atribuída ao médico Andrew Wakefield que apresentou uma pesquisa preliminar, publicada na conceituada revista Lancet, afirmando que 12 crianças desenvolveram comportamentos autistas e inflamação intestinal grave, depois de serem vacinadas contra o sarampo, rubéola e caxumba.
O médico queria ficar rico vendendo um imunizante contra o sarampo. Para isso, fraudou o seu trabalho científico para criar resistência à vacinação contra sarampo, rubéola e caxumba. Porém, a fraude foi descoberta alguns anos depois e ele perdeu a licença médica. 

 

Entretanto, desde então, o movimento antivacina cresceu no mundo todo e ganha adeptos em todos os países. Dados da Organização Mundial da Saúde são de que a paralisia infantil, em 1981, teve 4,5 milhões de casos registrados no mundo e a taxa de vacinação era de 10% da população. Já em 2008 com mais de 90% das pessoas protegidas desse vírus, o número de atingidos ficou abaixo de 300 mil. 

 

A Organização Mundial da Saúde calcula que a aplicação de vacinas evita, todos os anos, 6 milhões de mortes. Mesmo assim, há quem acredite que vacinar traga malefícios à saúde. 

 

Se o movimento antivacina continuar crescendo, especialistas dizem que mais doenças erradicadas voltarão. Quando o mundo não tinha vacinas, por volta do início do século 20, uma em cada cinco crianças morria de alguma doença infecciosa antes de completar 5 anos de idade. Cerca de 20 mil casos de polio eram reportados por ano, só em terra americana, por volta de 1952.

 

Crianças acometidas pela polio, mesmo quando sobreviviam, ficavam paralíticas, com retardo mental, ou, na melhor das hipóteses, passavam meses em respiradores artificiais, chamados “pulmões de aço”. Em 1964, antes da imunização, 20 mil bebês nasciam de mães infectadas com rubéola. Desses, 11 mil eram surdos, 4 mil cegos e 1,8 mil apresentavam retardo mental.

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o total de infectados na Europa cresceu 300%, atingindo mais de 21 mil pessoas, com 35 mortes, em 2017. Em 2016, foram 5.273 casos.

Autoridades cobram dos pais

Os agentes da Secretaria de Saúde Palmeira visitaram a família várias vezes e orientaram quanto aos riscos de não vacinar a criança. Segundo a responsável pela vigilância epidemiológica do município, Daiane de Fátima Coelho, não há uma lei que obrigue os pais a vacinarem. A secretaria obrigou os pais assinarem um termo de responsabilidade pelo fato de não vacinarem o filho.

 

O município de Palmeira foi relacionado pelo Ministério do Saúde como um dos 312 municípios com baixa cobertura vacinal de poliomielite em todo o país. O órgão afirma que Palmeira atingiu apenas 46,8% da população-alvo na vacinação contra a pólio. Mas segundo a responsável pela vigilância epidemiológica do município, Daiane de Fátima Coelho, o índice é de 75%. Para ela, a divergência é porque o antigo sistema do Ministério era falho. “A gente mandava as informações e o sistema não aceitava, nossos superiores sabiam do problema. Agora é outro sistema e esperamos que isso não aconteça mais”.

Campanhas

Além de pais que se recusam a vacinar os filhos, há também àqueles que não possuem informação ou interesse. Os postos de saúde funcionam em horário comercial, quando a maioria trabalha. Mas nas campanhas, as vacinas são oferecidas nos finais de semana, facilitando o acesso.

 

A gerente da Vigilância Epidemiológica em Lages, Sumaia Pucci, diz que quando o órgão abriu fora do horário e aos sábados, não houve movimento significativo. “Não vale a pena pagar funcionários fora do horário, se não há demanda”. A gerente das unidades de saúde do município, Tatiane Matos, afirma que os agentes de saúde orientam os pais que precisam vacinar os filhos e checam as carteiras de vacinação. “Caso estejam em atraso é dado cerca de um mês de prazo, se não vacinarem damos os encaminhamentos necessários até chegar no Conselho Tutelar e Ministério Público se for preciso”.

Especialistas alertam para os riscos de não vacinar

O risco de doenças erradicadas voltarem já virou realidade no Brasil. Desde o início do ano até o momento, foram confirmados 1.053 casos de sarampo no país. A situação está mais alarmante no Amazonas. Até o dia 1 de agosto, haviam sido confirmados pelo Ministério da Saúde 742 casos da doença no estado, sendo que há ainda 4.470 casos que permanecem em investigação. Já o estado de Roraima confirmou 280 casos da doença e 106 continuam sob suspeita. Além disso, outros cinco estados também registraram casos isolados. São eles: São Paulo (1), Rio de Janeiro (14); Rio Grande do Sul (13); Rondônia (1) e Pará (2).

 

Em Lages, o pediatra especialista em infectologia, Luiz Antônio Marcatto Ramos explica que as vacinas possuem o antígeno, o vírus da própria doença que será combatida e alguns componentes que são testados e seguros para a saúde de todos. A vacina anti-gripal, por exemplo, tem o vírus inativado da gripe, outras vacinas, possuem os vírus vivos atenuados, todos os tipos servem para estimular o sistema de defesa da pessoa. “Não causa um malefício, poucos indivíduos possuem alguma intolerância à algum componente da vacina”.

 

O especialista explica que os adultos que já tomaram as vacinas básicas ou já tiveram a doença estão imunizados. Mesmo assim, quem preferir pode tomar novamente nesta campanha contra sarampo, caxumba e rubéola. “Algumas vacinas, em intervalos de cinco ou dez anos, precisa-se fazer reforço, porque elas perdem a potência”.

 

Para ele, as doenças que estavam erradicadas estão voltando no Brasil por conta de pessoas que vieram do exterior infectadas. “Como a abrangência de vacinação tem diminuído, o vírus se espalha e afeta os indivíduos não vacinados”. Marcatto explica o efeito rebanho da vacina, que são quando várias pessoas vacinadas estão juntas com poucas que não foram imunizadas. Nestes casos, os vírus não circulam porque o ambiente não é favorável, já que a maioria está imunizada. Então, quem não se vacinou não corre tanto o risco de se infectar, mas somente quando está perto de várias pessoas que tomaram vacina. “É uma irresponsabilidade não se vacinar, a pessoa espalha os vírus e se torna extremamente vulnerável”.

Perigo

 

Quando uma parte da população deixa de ser vacinada, criam-se grupos de pessoas suscetíveis, que possibilitam a circulação dos vírus. Quando eles circulam no meio de outros, não afetam apenas aqueles que escolheram deixar de se vacinar, mas também aqueles que não podem ser imunizados, seja porque ainda não têm idade suficiente para entrar no calendário nacional, seja porque sofrem de algum comprometimento imunológico. Se uma criança de 5 anos não for vacinada, pode contrair uma doença e passar um bebê de 6 meses, que ainda não tomou todas as doses necessárias.

Como são feitas

 

As vacinas são produzidas a partir de pedaços ou dos próprios vírus ou bactérias inteiras. Os vírus e bactérias são enfraquecidos e passam por inúmeros processos em laboratórios. Antes de serem aprovados para uso geral, passam por vários estudos. O objetivo é introduzir o agente infeccioso fraco no organismo para que o sistema imunológico aprenda a lidar com a ameaça. Desta forma, as células de defesa estarão prontas para combater o inimigo com mais rapidez e eficácia.

Pais podem perder a guarda dos filhos

Pais que não vacinam seus filhos podem até perder a guarda deles. Está claro no primeiro parágrafo do artigo 14, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. O coordenador do Conselho Tutelar de Lages, Claudionei Peixer lembra também do artigo 249 do ECA. “O descumprimento do calendário de imunização é parte dos deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda”, sujeita o infrator a multa de três a 20 salários mínimos, sendo o dobro em caso de reincidência”. Ele destaca que a criança não imunizada corre risco e está colocando a coletividade em risco, segundo a lei 6.259.

 

Peixer destaca que 19 vacinas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) são obrigatórias. “No nosso entendimento, os pais que não vacinam seus filhos são negligentes e, portanto, devem ser responsabilizados pelas consequências dos seus atos. Se a criança vier a falecer em virtude de uma das doenças cobertas pela vacinação obrigatória, efetuada gratuitamente nos postos de saúde, pode caracterizar-se morte por negligência”, frisa.

 

Em Lages, ele afirma que nunca houve um caso de pais que perderam a guarda dos filhos por não vacinar. Mas, se mesmo com a orientação das agentes de saúde que dão cerca de um mês de prazo para a criança ser vacinada, os pais não tomarem atitude, a situação é encaminhada ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras). E, se, mesmo assim a situação não for resolvida, o procedimento é aplicar multa de três a 20 salários mínimos e/ou encaminhar o caso ao Ministério Público, que avaliará se compete a perda da guarda.

 

Alerta no RS

 

No Rio Grande do Sul, o MP divulgou um vídeo em que alerta pais e responsáveis sobre a importância e as consequências legais para aqueles que negligenciam as recomendações de imunização das crianças. Segundo a promotora de Justiça da Infância e Juventude, Inglacir Delavedova, os pais poderão ser multados e até perder a guarda se a criança não for vacinada. “A vacinação é importante não só pela saúde individual da criança, mas também pela saúde coletiva das outras crianças com quem a não vacinada pode conviver”.

 

Carteirinha está sempre em dia

Com duas filhas de 3 e 7 anos, Kenny Secchi, 37 anos, sempre está atenta às datas da carteirinha de vacinação. Ela considera essencial cuidar para que suas filhas recebam todas as doses em dia. “É irresponsabilidade não vacinar. Alimentar, cuidar e vacinar fazem parte do direito da criança. Doenças erradicadas estão voltando por conta desses pais que não vacinam”.

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EXPEDIENTE

Reportagem: Susana Küster

Fotos: Susana Küster

Produção de Pauta: Cláudia Pavão, Mauro Maciel e Suzane Faita

Edição: Mauro Maciel

Reportagem publicada, originalmente, nos dias 18 e 19 de Agosto de 2018, na edição impressa do Correio Lageano

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