Do sítio para as aulas de robótica

Alunos de Correia Pinto têm a oportunidade de estudar, gratuitamente, sobre uma das atividades que mais crescem no mercado

BEGA GODÓY
bega@correiolageano.com.br

Luan reside a 10 quilômetros da cidade e tem o apoio da família para estudar

Todas as manhãs, Luan Alves Silva, 12 anos, deixa a granja onde a família produz leite, na Localidade de Atrás do Cerro, interior de Correia Pinto, para estudar na Escola Olintho D’Avila Mesquita. Mas nas segundas-feiras sua rotina é diferente. À tarde, ele se desloca para a Escola Jornalista Caldas Jr para aprender sobre um tema bem diferente da realidade que vive no campo e até desconhecido de grande parte das pessoas. Ele faz parte de uma turma de vinte alunos que estuda robótica. O curso é oferecido pelo Sesi, que criou Espaços de Educação Maker nas escolas, com a proposta arrojada de preparar alunos para as tendências educacionais do século 21.

 

Os 10 quilômetros que separam sua casa da escola são vencidos com o ônibus de transporte escolar. No dia que estuda robótica Luan não retorna para casa. Em função do horário, fica com o avô paterno, que reside na cidade. Vê os pais somente na terça-feira após o meio dia. Essa situação, inicialmente causou preocupação do pai. Como Luan é filho único, seu Izaltino temia que o garoto fosse influenciado “pelas tentações da cidade”.

 

Apoio da família

 

A mãe, Gisele é quem mais apoia a iniciativa do filho. Lembra que ele sempre gostou de montar e desmontar seus brinquedos. “Ao invés de ficar no celular, vai aprender algo produtivo. Como ele é um menino muito bom, respeita as normas, procuramos fazer as vontades dele. Quando falou do curso não entendi muito bem, mas se ele queria apoiei. Hoje vejo ele bem entusiasmado”, conta.

 

Mas afinal, do que trata a robótica? Muitos podem se perguntar. Trata-se de um ramo educacional que envolve tecnologia, computadores e robôs. Os alunos aprendem a desenvolver partes mecânicas que podem ser automatizadas e controladas por circuitos eletrônicos. Por mais que pareça complicado, a robótica já é aplicada nas indústrias brasileiras, que valorizam muito o profissional com esse conhecimento.

 

Os alunos de Correio Pinto sabem disso. Professores destacam o interesse e a curiosidade aguçada ao participarem das oficinas. Além disso, o rendimento em outras disciplinas também melhorou. Sob a ótica dos pais, os filhos deixam de dedicar o período oposto às aulas ao computador e televisão, para aprenderem coisas novas. Por sua vez, os alunos passam a observar a presença dos conceitos de robótica em detalhes do cotidiano, aguçando a criatividade e a busca por soluções para problemas da sociedade.

Oficinas acolhem alunos especiais

O incentivo à criatividade e a trabalhar em equipe são situações corriqueiras durante as aulas. Basta ver a mudança que aprender robótica causou na vida do Guilherme Barella Schreder, 12 anos, um garoto especial. Gui nasceu com síndrome de Tunner, uma condição causada por uma alteração genética e não tem cura.

 

É muito frequente que os profissionais da educação se deparam com alunos hiperativos ou com dificuldade de aprendizagem. Não significa que eles são incapazes de aprender. Prova disso é Gui. Mesmo com dificuldades ele é pura alegria nas aulas.

 

A professora de inclusão, Mariléia Oliveira conta que ele foi um dos primeiros a demonstrar interesse pelo curso. “Percebo que o curso veio para abrir horizontes, dar novas experiências e leitura de mundo. Ele está amando o curso. Tem sido para ele uma oportunidade de novos desafios e prova de uma real inclusão. Na terça, dia posterior ao curso, sempre mostra o que produziram e fala das expectativas com muita motivação”, explica. “Gosto de montar robô e ver como funcionam”, resume o menino.

 

Marileia prefere dividir os créditos pelo amadurecimento do Gui com a família dele, que apesar das dificuldades sempre o impulsionaram. “São pessoas participativas e isso faz muita diferença na vida dele”, argumenta, destacando que a união entre família, escola e equipe médica é essencial para que o aluno possa superar suas dificuldades e alcançar o aprendizado pleno.

 

A mãe, dona Dulcemar Barella de 32 anos diz que o filho é outra pessoa e por isso está animada. Ela tem outros dois filhos menores e a única renda é proveniente do marido, que trabalha como auxiliar de produção. Assim, não teria dinheiro para pagar o curso que é oferecido gratuitamente pela Secretaria de Educação. “Ele é curioso e poucas coisa o entrete. Não para. Tem muita disposição. O curso pode dar a chance para ele se desenvolver sozinho e não depender de ninguém. Frequentar o curso renovou as nossas esperanças e deixa ele muito empolgado”, comenta a mãe. “Ele faz vídeo e quando chega mostra tudo por mais de uma vez”, acrescenta.

Guilherme está entusiasmado com as aulas

Raciocínio lógico é aguçado

O professor do Sesi, João Gil, ensina robótica na Escola Caldas Júnior em Correia Pinto. Para ele, no futuro, por terem habilidades diferenciadas, esses alunos deverão se destacar no mercado de trabalho. E ele não é o único a perceber essa evolução. Coordenadores, professores e pais acompanham a grande melhora no desempenho escolar, principalmente nas disciplinas que exigem raciocínio lógico, como a matemática, física e também o inglês.

 

O professor observa que crianças e adolescentes do curso, se relacionam rapidamente com os números ou novas palavras e aprendem a raciocinar com mais precisão, entendendo a teoria e conseguindo aplicá-la na prática.  “Aprender a programar auxilia a criança e o adolescente a descobrir suas potencialidades e estimular suas aptidões. Eles se tornam mais engajados e entusiasmados a seguir em busca de novos desafios”, explica João Gil.

 

Por meio da criação dos games, por exemplo, os alunos aprendem a pensar de forma estruturada e não apenas a decorar fórmulas ou datas. No curso oferecido, os alunos usam a criatividade em todas as aulas para analisar, planejar, criar e executar um projeto valorizando todas as suas etapas.

Empresa J de Souza utiliza um robô japonês

Como funciona a Educação Maker

Em 2017 a Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), por meio do Sesi, trouxe para o cenário da educação catarinense os Espaços de Educação Maker. Nesses locais, o Sesi materializa uma das mais arrojadas tendências educacionais do século 21, com um design arquitetônico e pedagogicamente criativo, preparado para integrar crianças e jovens de 7 a 18 anos. São atividades de contraturno escolar, num trabalho colaborativo, multi e interdisciplinar, voltado para o desenvolvimento de competências linguísticas, matemáticas, científicas e tecnológicas, além das habilidades socioemocionais.

 

Os Espaços de Educação Maker contam com inúmeros recursos, dos mais simples aos mais sofisticados, como placas eletrônicas, Arduinos, Rasperry pi, impressoras 3D, kits de robótica, máquinas fotográficas, entre outros e integra ambientes de oficinas de Games, de Programação, de Prototipagem e da Palavra que mobilizam atividades vinculadas às áreas de Comunicação e Mídias, Matemática, Ciências, Tecnologia e Robótica. Promovem exploração, pesquisa, construção, experimentação e aprendizado colaborativo e coletivo, cujos processos de aprendizagem serão apresentados ao final de cada semestre na ‘Feira das Descobertas e Invenções’.

Correia Pinto é pioneira

A secretaria de educação de Correia Pinto, na Serra Catarinense, em parceria com a prefeitura, foi pioneira em adotar o Projeto Educação Maker do Sesi. Desde junho, todas às segunda-feiras, 40 alunos aprendem Tecnologia e Robótica e Comunicação e Mídia, no contraturno, na escola Caldas Júnior.

A ideia da administração é ampliar as turmas em 2019

A secretária de Educação, Cleomara Rodrigues apostou na metodologia. “Conheci a proposta e vi como funcionava”, explica. A prefeitura banca os dois cursos num total de 40 alunos. O custo mensal que a prefeitura tem com dois cursos é de R$ 6,3 mil. A contrapartida do aluno é participar das aulas e mostrar interesse.

Seletivas

O Sesi ofereceu as vagas e a seleção ficou a cargo da direção das escolas. Algumas selecionaram alunos com boa notas, outras optaram por crianças com dificuldades ou até bagunceiros. Hoje há filas aguardando vagas. O Sesi entra com o professor, traz os equipamentos e o material de robótica que é caro.

Prospecção

70%

das profissões serão desempenhadas por robôs nas próximas décadas. A previsão é da Nesta, uma fundação de inovação inglesa.

31 milhões

de robôs domésticos devem estar em atividade até 2019, prevê a Federação Internacional de Robótica

A consultoria indiana ReportsnReports aponta que o mercado de robôs com inteligência artificial deve saltar dos atuais US$ 3,49 bilhões em 2018 para US$ 12,36 bilhões até 2023. Esse mercado será liderado por empresas asiáticas, americanas e europeias.

Mercado de trabalho é amplo

Segundo o consultor de carreira, Emerson Weslei Dias, é importante que os trabalhadores busquem adequar seus conhecimentos a outras áreas, e caso isso não seja possível, procurem recorrer a uma nova qualificação por meio de cursos e treinamentos. “Das revoluções que já ocorreram, a Indústria 4.0 foi a mais rápida e por isso a reinserção no mercado é algo fundamental. Existem muitos cursos e informações gratuitas que podem ajudar o trabalhador a expandir seu currículo. O que não pode acontecer é insistir por muito tempo em uma profissão que possivelmente possa sumir do mercado. Nesses casos, a migração e alocação de competências para outros âmbitos é uma opção viável”.

 

Pela importância que representa essa mudança, ficar fora dela é um risco muito grande para qualquer empresa, pois pode ser um caminho sem volta. De um jeito de ou de outro será necessário se adaptar à nova realidade que surge com as possibilidades de um mundo muito mais digitalizado.
Assim a robótica também é adotada como diferencial competitivo, nas empresas, como meio de redução de custos e aumento de produtividade, considerando o crescimento na utilização de robôs em nível global.

Setor de equipamentos agrícolas também usa

Instalada há 39 anos em Lages, a J. de Souza Equipamentos Florestais, utiliza um robô há seis anos. Ele foi fabricado no Japão para fazer as soldas de algumas peças. Inclusive 20% das peças são exportadas, principalmente para o Chile, que retém 10% da produção. Os outros 10%, segundo o supervisor de vendas, Vinícius Oliveira, têm destinos diferentes: Paraguai, Uruguai, Angola e Estados Unidos.

 

A adoção do Robô de Solda Precisa, como o próprio nome diz, significa trabalho perfeito sem deixar rebarbas. Ele substitui entre 4 a 5 homens, já que 50 peças por hora e funciona com programação computadorizada sendo ponto a ponto, sem intervalo. A manutenção consiste na troca de baterias, que segundo Vinícius, ocorre a cada três anos.

Para a Klabin, mercado necessita de profissionais qualificados

Klabin aplica robótica nas áreas de embalagem

Na Klabin, por exemplo, a utilização de robôs está sendo aplicada nas áreas de embalagem. O gerente de Tecnologia de Automação da Klabin, Sinésio Júlio Barberini, explica que embora, no Brasil, a utilização de robôs é liderada pela indústria automobilística, o processo de robotização vem se disseminando para diversos segmentos da indústria. Numa das etapas do processo de embalagem, as bobinas de papel são embaladas e movimentadas por meio de robôs, que executam movimentos rápidos, padronizados e precisos.

 

“Esses recursos são fundamentais para a segurança, qualidade e produtividade das operações. A robótica é parte da cadeia inteligente da Indústria 4.0 – a 4ª Revolução Industrial. Dentro do processo de inovação da companhia, a indústria 4.0 é considerada um importante fator para o crescimento e desenvolvimento da Klabin.

 

Com a mudança do mercado, o gerente observa que a oferta de mão de obra qualificada tem crescido nos últimos anos, porém, em função do aumento da demanda do mercado, há ainda uma enorme lacuna a ser preenchida. “Esta necessidade se intensifica com o momento de transformação digital em que vivemos. A urgência no atendimento dessas demandas amplia a necessidade de as empresas prepararem suas equipes técnicas para esta nova realidade. Diante deste cenário, a Klabin tem procurado parcerias com escolas técnicas e universidades a fim de ampliar o número de vagas e auxiliar na formatação da grade curricular para o atendimento destes novos desafios”, assegura.

 

Para ele, a robótica é considerada uma qualificação diferenciada para quem quer entrar no mercado de trabalho. “A qualificação profissional nestas áreas de tecnologia e inovação é um diferencial fundamental no momento de buscar um profissional no mercado de trabalho. Treinamentos, nesta área, serão de enorme valor para o “futuro digital” do país” .

EXPEDIENTE

Reportagem: Bega Godóy

Fotos: Bega Godóy e Divulgação

Produção de Pauta: Cláudia Pavão, Mauro Maciel e Suzane Faita

Edição: Mauro Maciel

Reportagem publicada, originalmente, nos dias 25 e 26 de Agosto de 2018, na edição impressa do Correio Lageano

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