Menos de 3% dos jovens querem ser professor

Baixos salários, sucateamento das escolas e falta de valorização da profissão. Estes são alguns dos fatores que estão afastando cada vez mais os jovens da carreira do magistério.

ADECIR MORAIS

adecir@correiolageano.com.br

“Deus me livre! Ser professor é muito difícil!”

Quando decidiu seguir carreira no magistério, Taizi Calbusch Teixeira, de 49 anos, ouviu muitos comentários negativos por causa de sua escolha. Mas o desejo de ser professora era maior, sendo assim, ela acabou escolhendo a sala de aula para trabalhar. Taizi, ao menos no atual cenário da educação brasileira, é uma exceção. Isso porque, atualmente, apenas 2,4% dos jovens de 15 anos do País pensam em seguir a carreira de professor. Há 10 anos o percentual era de 7,5%.

 

Estes dados fazem parte do relatório de Políticas Eficientes para Professores, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Eles exibem um cenário preocupante para o ensino brasileiro. Preocupante porque, com a falta de professores, o risco é que o ensino sofra um apagão. Entre os motivos que afastam os jovens do magistério estão questões salariais, desprestígio da profissão, falta de estrutura nas escolas, dentre outros.

 

Filha de professora aposentada, Taizi sempre estudou em escola pública. Ela se interessou pela docência durante o estágio obrigatório do curso superior de Ciências Sociais – sua primeira graduação. Decidida a ser professora, ela não pensou duas vezes para cursar Geografia, a fim de ingressar finalmente no magistério. Atualmente, dá aulas para alunos dos ensinos Fundamental e Médio na escola estadual Professor Armando Ramos de Carvalho, no Bairro Pró-Morar, em Lages.

O estímulo familiar e de sua supervisora, do estágio no curso de Ciências Sociais, foi determinante para ingressar no magistério. “Durante o estágio, identifiquei-me com a área, recebi elogios e resolvi que queria ser professora. Aí decidi estudar Geografia. Meus pais sempre me incentivaram. Estou quase me aposentando e não me arrependo de ter escolhido a profissão. Me sinto muito bem em ser professora”, comenta Taizi, que leciona há 27 anos.

 

Quem também pode ser considerado uma exceção, ante o atual cenário de desinteresse dos jovens pela docência, é o professor Gustavo Cesar Waltrick, de 29 anos. Formado em História pela Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac) em 2016, atualmente ele dá aulas no Caic Nossa Senhora dos Prazeres e no Colégio Energia. Gustavo se diz apaixonado pelo que faz.

 

Ele conta que decidiu seguir carreira no magistério quando cursava o Ensino Médio. A decisão foi apoiada por seus familiares, no entanto, assim como Taizi, também enfrentou a contrariedade de amigos, mas nada o fez mudar de ideia. “Muita gente dizia, por que você quer ser professor? Escolha outra área que paga melhor”, recorda.

 

Para ele, atualmente o professor precisa encarar vários desafios, como as condições precárias das escolas – sobretudo as públicas, a falta de valorização do carreira do docente e as dificuldades de manter o aluno motivado para aprender. Outro fator que pode explicar o quadro de desvalorização do professor é o fato de que muita gente escolhe a profissão como um “bico” para complementar renda.

Gustavo Cesar Waltrick diz que é apaixonado pelo que faz

Por que a docência deixou de ser atrativa

Um conjunto de fatores, como as más condições de trabalho, o desprestígio social da profissão e a baixa remuneração dos docentes, dentre outros, têm ajudado a afastar os jovens do magistério. Neste contexto, os baixos salários talvez representem o principal obstáculo.
Atualmente, o piso nacional do magistério, aprovado no ano passado pelo Governo do Federal, é de R$ 2.455,35, para jornada de 40 horas semanais. Os valores variam dependendo do município. Além disso, se comparar os valores pagos aos professores em países desenvolvidos, a diferença daquilo que é praticado aqui no Brasil, é assustadora.

 

No Brasil, os docentes em início de carreira do ensino fundamental em escolas públicas recebem, em média, 10.375 dólares/ano. Enquanto isso, em Luxemburgo, por exemplo, o salário é de 66.085 dólares/ano. Os dados são de uma pesquisa da Education at a Glace 2014, que mapeia números sobre a educação em 34 países, incluindo o Brasil.

 

Outros dados que chamam a atenção são da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Conforme o órgão, no ano passado, o salário dos professores brasileiros representava cerca de 60% da média salarial de outras profissões.


Para completar este quadro desolador, alguns municípios brasileiros não pagam o piso aos professores. Em Santa Catarina, conforme levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2014, em 108 municípios do Estado, o professor recebia em média menos do que o piso, que na época era de R$ 1.697,00.


Na relação das cidades que pagavam menos, algumas eram de região serrana. Na outra ponta da lista, Jaraguá do Sul, no Norte do Estado, com um salário de R$ 4.613,10, 77% a mais do a média nacional, era o município com o maior piso. Já em Lages, o professor recebia em média R$ 2.396,35, valor 41% acima do piso nacional.

Jourdan Linder leciona na Uniplac e é mestre em Educação

Perda do status social

Para o mestre em educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), professor Jourdan Linder, a perda do status social da profissão é outro elemento que talvez explique o desprestígio da profissão. Até num passado recente, o professor era valorizado, contudo, com o passar dos anos, foi perdendo prestígio e status e hoje é considerado um profissional comum.


“Hoje, a figura do docente não é mais a mesma de antigamente”, sustenta o pedagogo, que, atualmente, leciona na Uniplac e na educação infantil do ensino público em Lages.


Para reverter o atual quadro de desinteresse do jovem pela profissão, Jourdan sugere algumas medidas, como aumento salarial e valorização da carreira do professor. Neste contexto, ele defende que o docente precisa ter um plano de carreira.


Resgatar o prestígio do professor é outro caminho apontado para reverter o desinteresse dos jovens pela profissão. Nesta linha, Jourdan propõe que os profissionais da área, no dia a dia em sala de aula, incentivem seus alunos a escolherem a docência para trabalhar.

Violência

A violência é outro fator que pode estar afastando o estudante da profissão. Uma pesquisa divulgada no ano passado na plataforma OEdu, revelou que mais de 22,6 mil docentes foram ameaçados por estudantes e mais de 4,7 mil sofreram atentados à vida nas escolas em que lecionam. O levantamento foi aplicado no questionário da Prova Brasil 2015 e abrangeu 262 mil professores.

 

Este mesmo estudo revelou que, a maioria dos professores (71%), o que equivale a 183,9 mil, relatou ter sofrido agressão física e verbal de alunos. Outros 2,3 mil docentes afirmaram que estudantes frequentaram as aulas com armas de fogo e mais de 12 mil disseram que havia alunos com armas brancas, como facas e canivetes.

O que diz o Ministério da Educação e Cultura

Em nota, o Ministério da Educação diz que desenvolve diversas ações para reverter as situações apontadas pelo relatório da OCDE. Dentre elas, a pasta destaca o Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), que visa induzir e fomentar a oferta de educação superior e gratuita, para profissionais do magistério que estejam no exercício da docência na rede pública de educação básica e que não possuem a formação específica na área em que atuam em sala de aula.


De acordo com o órgão, o Parfor já formou 44.843 professores. Com base no levantamento de maio passado, 22.506 professores de 3.300 municípios cursavam as formações do programa, desenvolvidas em 588 turmas. Atualmente, a Capes dá andamento ao Edital 19/2018, que tem por objeto selecionar propostas de Instituições de Ensino Superior (IES) para a oferta de até 150 turmas especiais em cursos de Licenciatura.


O MEC informa que também desenvolve o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), ação advinda da Política Nacional de Formação de Professores, que visa proporcionar aos discentes, na primeira metade do curso de licenciatura, uma aproximação prática com o cotidiano das escolas públicas de educação básica e com o contexto em que elas estão inseridas.


O programa concede bolsas a alunos de licenciatura participantes de projetos de iniciação à docência, desenvolvidos por instituições de educação superior (IES) em parceria com as redes de ensino.

Os projetos devem promover a iniciação do licenciando no ambiente escolar ainda na primeira metade do curso, visando estimular, desde o início de sua formação, a observação e a reflexão sobre a prática profissional no cotidiano das escolas públicas de educação básica.


Os discentes serão acompanhados por um professor da escola e por um docente de uma das instituições de educação superior participantes do programa. Atualmente está em andamento o Edital Capes n° 7/2018, que já selecionou 285 Instituições de Ensino Superior em todas as unidades da federação e tem a previsão de conceder até 45.000 bolsas para discentes de licenciatura.


O MEC possui ainda o Programa de Residência Pedagógica, que tem por objetivo induzir o aperfeiçoamento do estágio curricular supervisionado nos cursos de licenciatura, promovendo a imersão do licenciando na escola de educação básica, a partir da segunda metade de seu curso. Essa imersão deve contemplar, entre outras atividades, regência de sala de aula e intervenção pedagógica, acompanhadas por um professor da escola com experiência na área de ensino do licenciando e orientada por um docente da sua Instituição Formadora. 

 

Atualmente, está em andamento o Edital Capes n° 6/2018, que já selecionou 245 Instituições de Ensino Superior em todas as unidades da federação e tem a previsão de conceder até 45.000 bolsas para discentes de licenciatura.

Uma quer, outra não

Aluna do 1° ano da Escola Estadual Visconde de Cairu, no Bairro Vila Nova, em Lages, Letícia Antunes da Silva, de 15 anos, não pensou duas vezes na hora de decidir qual carreira profissional pretende seguir. Ela afirma que vai cursar pedagogia, com isso, pretende concretizar um sonho de criança.

“Gosto de ensinar e ajudar as pessoas, por isso, quero ser professora para dar aulas. Pretendo entrar na faculdade pelo Enem, assim que completar o Ensino Médio. Estou estudando bastante e recebendo total incentivo dos meus pais para alcançar meus objetivos”, comenta a estudante.

O curso de pedagogia, aliás, é o mais procurado no Brasil dentre as licenciaturas. No ano passado, mais de 220 mil estudantes se interessaram pela carreira de pedagogo no ProUni 2017. O profissional desta área pode atuar em creches e escolas da rede pública e particular de ensino, dando aulas para crianças nas quatro primeiras séries do ensino.

Já a colega dela, Jenifer Padilha Costa, de 16 anos, tem outros planos. Ela, que também frequenta o ensino integral da mesma escola, diz que está estudando para ser médica e sequer imagina seguir carreira no magistério. “Professor, nem pensar, a profissão é muito difícil e atribulada, quero ser médica”, comenta e jovem.

Violência

183 mil

já sofreram agressão física ou verbal

22,6 mil

professores já foram ameaçados por alunos

4,7 mil

sofreram atentados contra a vida

50%

dos professores não indicam a própria profissão para seus alunos

A falta de interesse traduzida em números

A falta de atratividade pelos cursos de licenciatura é demonstrada em números. Uma pesquisa do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp) revela que a quantidade de alunos que ingressaram na licenciatura recuou 10% entre 2010 e 2016. Neste mesmo período, o número de formandos destes cursos caiu 7,6%.


Essa mesma pesquisa destaca que 40% das matrículas estão concentradas nos cursos de Direito, Administração, Engenharia Civil e Enfermagem. Entre 2010 e 2016, os bacharelados cresceram 28%, enquanto as licenciaturas tiveram uma queda de 5%.


Para completar o quadro desolador do magistério brasileiro, a pesquisa Profissão Docente, da organização Todos Pela Educação e do Itaú Social, segundo a Agência Brasil, mostrou que a metade dos professores não recomendaria a profissão a um jovem. Foram entrevistados 2.160 profissionais da educação básica das redes públicas e privada de todo o país.

Salários da rede municipal

Os 10 maiores em SC

Jaraguá do SulR$ 4.149,47
GuaramirimR$ 3.402,58
FlorianópolisR$ 3.386,40
AraranguáR$ 3,273,89
ItajaíR$ 3.219,48
JoinvilleR$ 3.134,02
Rio do SulR$ 3.115,17
Balneário CamboriúR$ 3.109,70
VideiraR$ 3.091,68
São Francisco do SulR$ 3.090,64

40 horas (dados de 2014)

Os 10 piores em SC

 20142018
Monte CasteloR$ 1.012,46R$ 2.414,00
Presidente Nereu RamosR$ 1.038,67R$ 2.455,35
Luiz AlvesR$ 1.055,70R$ 2.455,00
ArmazémR$ 1.122,00R$ 2.482,00
Campo Belo do SulR$ 1.126,73R$ 2.455,36
Alfredo WagnerR$ 1.130,33R$ 2.455,35
UrupemaR$ 1.140,33R$ 2.456,50
Sangão R$ 1.147,72R$ 1.870,00
Frei RogérioR$ 1.150,68R$ 1.246,70*
Anitápolis R$ 1,164,91R$ 2.428,00

40 horas

*Lá não trabalham 40h, apenas 20h

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep)

EXPEDIENTE

Reportagem: Adecir Morais

Fotos: Adecir Morais e Divulgação

Produção de Pauta: Mauro Maciel

Edição: Mauro Maciel

Reportagem publicada, originalmente, nos dias 15 e 16 de Setembro de 2018, na edição impressa do Correio Lageano

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