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#CLentrevista o músico e professor de viola Marcelo Jaffé

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Professor de viola da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (Departamento de Música), apresentador da Rádio Cultura e membro do Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo, participou do 6º Festival Internacional Música na Serra. Atuou como Maestro da Kamerata Philarmonia e foi diretor Artístico da Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo.

CL: Qual a sua opinião em relação a aproximação da música clássica com os ritmos mais populares, como rock, funk e a música regional?

Marcelo Jaffé: Historicamente existe essa proximidade. Desde muito tempo, a música ocupa um espaço dentro da sociedade que é anterior a criação ou ao desenvolvimento daquilo que a gente chama de música de concerto. A música de concerto é uma manifestação típica da sociedade do mundo ocidental, que, segundo nosso calendário, tem 2018 anos. A música existe muito antes disso, portanto, essa proximidade existe até na manufatura, na escrita da música de concerto. Compositores europeus dos séculos 16, 17 e 18 usavam material de música popular para escrever as suas obras. É uma cultura distante da nossa, tanto geograficamente, quanto de tempo. Porém, um nome que preciso citar para nós todos entendermos melhor essa história é Heitor Villa Lobos. A música dele é popular ou erudita? Segundo Heitor VIlla Lobos essa não é uma questão que deve nos preocupar.

Como você percebe a importância dos festivais de música no cenário atual do Brasil?

Nós vivemos um momento muito complicado no Brasil, no que diz respeito à educação e à cultura. Tivemos uma polêmica muito grande sobre a extinção do Ministério da Cultura no Brasil, há aproximadamente dois anos. Esse é um exemplo muito claro de como essas questões deixaram de ser importantes. A saída para o Brasil neste momento complicado que a gente vive é a educação e, obviamente, a música faz parte desse processo, por incluir uma quantidade muito grande de saberes. Dessa maneira, o Festival aqui em Lages, se torna um bastião, um centro de resistência à banalização do saber. Acho importantíssimo que esses festivais resistam, existam e continuem.

A música clássica é desenvolvida em que espaços?

Existe um tabu que diz que a música de concerto é uma música que pertence às elites. Se a gente tentar compreender um pouco melhor, vai observar que isso é consequência de algum movimento que aconteceu, ainda na Europa, com a ascensão da burguesia. E o papel do músico, do artista, foi de dar legitimidade àqueles que, teoricamente, só teriam dinheiro e isso talvez tenha criado esse mito, de que a música pertence às elites. A música não pertence a ninguém, pertence àqueles que fazem e que ouvem. No caso do Brasil, temos uma cultura muito nova e diferente. Temos a cultura européia se misturando com a cultura afro e com a cultura nativa dessas terras. E a música que se produz aqui é um fruto dessa mistura. Música brasileira é espetacular e quem a faz é gente de muita capacidade artística. Muitos imigrantes chegaram ao Brasil no final do século 19 e início do século 20, vindos da Europa. Eles tinham o hábito de fazer música em casa, a música que faziam era a de concerto. O tempo passou e essa realidade se transformou. Hoje em dia percebemos que projetos sociais e igrejas evangélicas têm uma movimentação intensa na formação ou no acesso a esse tipo de música e a esses instrumentos. Portanto, são crianças na maior parte das vezes, de baixa renda que começam a estudar os instrumentos de música de concerto. Esses meninos, considerando que esse projeto já dura mais de 20 anos, estão sentados nas cadeiras de quase todas as orquestras sinfônicas do Brasil. A música de concerto é a música de todas as pessoas.    

Dessa forma, é um mito pensar que a música de concerto é da elite econômica e intelectual e que não está chegando aos menos favorecidos?

Acho que a grande diferença entre a música erudita – que inclui a música de concerto e a música clássica – e a música popular é o grau de elaboração da melodia e do ritmo. Portanto, o que torna uma música popular é a facilidade com que ela entra na sua cabeça e você consegue lembrar. Com menos elaboração, provavelmente, fica mais fácil, então, a música de concerto e música popular basicamente são irmãs, só que uma está um pouco mais enfeitada e a outra um pouco menos.

Como você percebe o Festival Internacional Música na Serra, que está acontecendo em Lages?

Posso dizer o seguinte, cheguei aqui em Lages no domingo e assisti ao concerto de abertura e a apresentação de segunda. Toquei na terça e quarta-feira. Passeei pela cidade e as pessoas me reconhecem, e os outros professores dizem a mesma coisa. Isso, provavelmente, significa que as pessoas estão envolvidas com o Festival. Espero que cada vez mais pessoas se envolvam, porque qualquer música é boa de ouvir. Queremos que a cidade de Lages inteira venha assistir aos concertos e participe do projeto.