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Vereadores dividem opinião sobre assistencialismo

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No legislativo lageano, alguns vereadores admitem que fazem doações, outros condenam tal prática - Foto: Nilton Wolff/Divulgação

Na teoria, uma função nobre, mas na prática, nem sempre funciona assim. Basicamente, o papel do vereador brasileiro é fiscalizar os atos do Executivo, elaborar, criar, discutir e votar leis, além de debater as demandas da cidade, contudo, nem sempre é isso acontece. Numa visão macro, no dia a dia do trabalho legislativo, ainda é comum projetos pessoais, fruto de velhas práticas políticas do poder. 

O assistencialismo, caracterizado pela prática política de atender a pedidos pessoais, como doar dinheiro ou produtos, comprar rifas e remédios, patrocinar festas e eventos, por exemplo, ainda está arraigado nas estruturas do poder político brasileiro, como nas câmaras municipais. 

O CL procurou os 16 vereadores de Lages para saber o que pensam sobre o tema. Todos eles foram contatados via mensagem de Whatsapp, mas nem todos se manifestaram sobre o assunto. Alguns deles admitem que costumam atender, com restrições, a demandas dos eleitores, uma prática que, em tese, pode ser caracterizada como assistencialismo. Já outros são totalmente contra tal prática e afirmam que nunca fizeram nenhum tipo de doação para atender a interesses particulares.

O vereador Lucas Neves (PP) declarou que, desde o início do mandato, nunca deu dinheiro, distribuiu cestas básicas ou ofereceu algo que caracterize compra de apoio político. Salientou que, sempre quando um eleitor o procura, busca encaminhá-lo para as políticas públicas de assistência. “

Se a pessoa me procura para pedir dinheiro para comida, entro em contato com a Secretaria de Assistência Social para saber se ela está sendo assistida pelos programas do governo. Se for para pagar um exame ou uma consulta, encaminhamos o caso para a Secretaria de Saúde. O vereador deve ter a sensibilidade de mostrar às pessoas o caminho para elas conseguirem o apoio que precisam”, explicou.

Praticamente na mesma linha, o vereador Sargento Sobrinho (DEM) observou que a função do parlamentar é legislar, fiscalizar e trabalhar com o objetivo de atender a coletividade, não direcionando o trabalho apenas para atender a pedidos individuais.

“A gente tenta ouvir toda a comunidade, leva os problemas dela para a Câmara e faz os pedidos ao Executivo. Não concordo com o assistencialismo. Existem várias maneiras de ajudar a comunidade, têm várias secretarias para as quais a gente pode encaminhar as pessoas”, disse.

Jair Júnior (PSD) também condenou o assistencialismo na política. Em sua opinião, para evitar essa prática, é necessária a criação de políticas públicas para fornecer oportunidades às pessoas. “Quando alguém me procura, a gente deixa claro que essa prática não é a função do vereador. As pessoas estão evoluindo e se conscientizando sobre isso”, declarou. Para ele, o Projeto “Jovem Vereador”, desenvolvido no legislativo lageano, está ajudando a conscientizar a população.

Gerson Omar dos Santos (MDB) também é contra o vereador fazer doações. Ele afirmou que não costuma atender aos pedidos de ajuda financeira e garantiu que, quando as pessoas o procuram, costuma encaminhá-las aos setores responsáveis. Entende que “não dar o peixe, empreste a vara e ensine a pescar”. Desta maneira, “quando somos abordados no gabinete ou em outros lugares, procuramos dentro do poder público, a assistência adequada para tal solicitação”, destacou.

O vereador Maurício Batalha Machado (Cidadania), por sua vez, assegurou que procura ajudar dentro daquilo que é possível, encaminhando e orientando o cidadão o local adequado para buscar ajuda. Isso ocorre, principalmente, nas áreas da saúde, assistência social e infraestrutura. Ele admitiu que já ajudou pessoas em situações que entendeu de maior risco, mas “dificilmente” com o repasse direto de valores. As maiores demandas de pedidos estão relacionadas a ingressos para jantares, rifas, dificuldade de acesso a tratamentos de saúde, exames, medicamentos, cirurgias e moradia.

Osni Freitas (PDT) salientou que encara o assistencialismo com “certa naturalidade”. Ele declarou que muitas pessoas simplesmente não têm a quem recorrer, assim, é normal que elas busquem ajuda junto ao vereador. Para ele, o desemprego e os baixos salários estão entre os fatores que levam os moradores a procurarem os vereadores para pedir ajuda.

Bugre, como é chamado o pedetista, admitiu que costuma ajudar as pessoas, contribuindo para jantares beneficentes e rifas. “Importante lembrar que eu não saio por aí distribuindo dinheiro e também não atendo a tudo que chega até mim. Os auxílios que presto, quando presto, é para ajudar a quem necessita para realizar alguma ação para arrecadar fundos, quando alguém precisa de uma cirurgia, por exemplo”, declarou o parlamentar, observando que fazia isso antes de ser eleito.

O vereador Luiz Marin (PP) admitiu que costuma ajudar quando a causa tem uma razão humanitária. Ele sustentou que é totalmente contra doar dinheiro para a pessoa pagar uma conta de água e luz, mas quando é para comprar remédio, por exemplo, aí ele procura ajudar. “Acho que quando é um questão humana, o dever de ajudar deve ser de todo mundo, não apenas do vereador”, justificou.

Pedro Figueiredo (PSD) salientou que recebe diariamente pessoas fazendo diversas solicitações, mas afirma que recusa os pedidos. “Eu como vereador não atendo nenhum, quando necessário, sempre encaminho para as secretarias competentes do assunto”, pontuou. Ele entende que a função do vereador é representar a comunidade, legislar e fiscalizar o Executivo. Para ele, o assistencialismo é uma cultura que vem de muitos anos e que uma grande parcela da população acredita que é dever do vereador ajudá-lo com rifas, doações, patrocinando eventos, por exemplo. “Para que isso termine, é preciso a conscientização da população”, opinou.

Bruno Hartmann (PSD) admitiu que faz doações, principalmente para atender a demandas humanitárias. “Sempre ajudei as pessoas e não faço isso agora só porque estou vereador. Ganho um bom salário e sempre procurei ajudar as pessoas, mas não dou dinheiro ou pago conta de luz e aguá, ajudo por uma questão humana”, disse. Apesar de admitir tal prática, Bruno defende o fim do assistencialismo, pois acredita que a função do vereador é legislar e fiscalizar os atos do Executivo.

Vereador é lembrado por estar mais próximo das pessoas

Mestre e doutor em Sociologia e Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, Artur Mazzucco Fabro esclareceu que o assistencialismo não é crime. A prática só se configura uma ilegalidade se for provado que tem algo de ilegal nessas reivindicações e na atuação do vereador.

Ele afirmou que as pessoas costumam procurar os vereadores por eles estarem mais próximos deles. Para ilustrar sua posição, lembrou que existem três níveis de governança presentes no Poder Legislativo brasileiro: um nacional (Congresso nacional), um outro estadual (Assembleia legislativa) e um último municipal (Câmara de vereadores). Cada um desses níveis legislativos representa uma parte do poder político no Brasil, possuindo seus próprios Poderes executivos, que no caso da Câmara de Vereadores é a Prefeitura municipal.

“Tendo em mente esses níveis de governança, fica mais claro entendermos melhor o porquê de os cidadãos procurarem tanto os vereadores para fazerem pedidos dos mais diversos, pois a proximidade dos cidadãos com o Poder Legislativo e Executivo municipais é mais estreita que entre a Assembleia Legislativa Estadual, que se localiza nas capitais dos estados, e do Congresso nacional, que está na capital federal”, destacou.

O especialista acrescentou que, por viver no mesmo município que os vereadores, muitas vezes os conhecendo pessoalmente, o cidadão tem mais possibilidade de cobrar deles, já que o parlamentar tem consciência de que necessita realizar um bom mandato para que seja reeleito na próxima eleição, por isso, a chance de atender aos pedidos do morador é muito maior do que um deputado ou senador.

Porém, caso realize suas atividades legislativas visando favorecer um ou outro grupo de cidadãos, suas ações se configuram um desvio de conduta. “Não devemos esquecer que um cidadão que tenta corromper um vereador está cometendo um crime contra seu próprio município, estado ou país”, emendou.

Além disso, Artur observou que o fato de os moradores procurarem o vereador para pedir favores, tem a ver com a formação política do cidadão. “Os cidadãos brasileiros, incluindo os vereadores, normalmente não possuem uma boa formação política sobre o seu próprio país. Esta falta de conhecimento sobre a realidade brasileira dificulta o entendimento do cidadão sobre como funcionam as instituições políticas do Brasil, quais são suas prerrogativas e como elas auxiliam para o bom andamento da coisa pública, ou seja, daqueles assuntos que interessam a todos, não a um ou outro individualmente”, disse.

Ainda, acrescentou que, a prática do assistencialismo se porta como um sintoma desta falha na formação política do brasileiro, sendo que tal prática faz parte da nossa história, está enraizada no entendimento da população em geral sobre como se ‘fazer política’, infelizmente de uma maneira equivocada”.

“Não estamos defendendo que o vereador não deva receber as requisições dos cidadãos e busque realizá-las na Câmara Municipal, entretanto, ele deve levar em conta que está ocupando em um cargo público e eletivo, devendo sempre buscar atender a todos com imparcialidade”, declarou.

População precisa de uma melhor formação política

Para o mestre e doutor em Sociologia e Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, Artur Mazzucco Fabro, dificilmente acabará o assistencialismo na política, principalmente levando em conta o atual momento do Brasil e as características da população. “Temos um povo que carece de educação de qualidade, o que possibilitaria uma melhor formação política, além de outros índices igualmente ruins, como saúde e segurança, que dificultam o bom exercício da cidadania nos municípios e estados”.

Para ele, tal prática nasce como uma solução para que esses grandes problemas do país sejam remediados de forma imediata, nunca tendo o intuito de que se resolva definitivamente estas questões. Os vereadores, e também deputados e senadores, continuam a realizar esta prática porque enxergam nela uma saída fácil para angariarem votos na eleição, pois conseguem manipular as necessidades que a população está passando para o seu próprio bem político, isto é, sua eleição”.

O especialista finalizou observando que mudanças no comportamento político de país é um processo lento. “Grandes mudanças no comportamento político de países levam tempo, devem ser mobilizadas por toda a população e de maneira democrática, somente assim práticas como esta e tantas outras podem ser, talvez, eliminadas”.

Conheça as funções de um legislador

Os vereadores fazem parte do Poder Legislativo. Dentre funções, eles têm a prerrogativa de elaborar, discutir e votar leis municipais que envolvem impostos municipais, educação municipal, transporte urbano, saneamento básico e o orçamento municipal, por exemplo. Além disso, cabe a eles fiscalizarem as ações da prefeitura, acompanharem o andamento de obras e os serviços oferecidos à população.

Os vereadores também podem sugerir e cobrar do Executivo melhorias para os bairros, como a pavimentação de ruas e consertos de rede esgoto. Esse trabalho é feito por meio de indicações, que são documentos encaminhados à prefeitura. Ou seja, não cabe aos parlamentares a tarefa de executar as ações, eles apenas podem indicar o serviço, cabendo ao Executivo acatar ou não.

Além das funções de votação e indicação de melhorias na cidade, os vereadores também têm o poder e o dever de fiscalizar as ações da administração municipal, zelando pela aplicação correta dos recursos públicos. Neste sentido, é o Poder Legislativo que julga as contas públicas da cidade, podendo rejeitá-las ou acatá-las a partir de votação em plenário.

Em Lages, a maior cidade da Serra Catarinense, existem 16 vereadores. O total de vagas é definido de acordo com o número de moradores do município. O grupo é dividido em bancada de oposição (que é contra o Executivo) e situação (que apoia a gestão municipal). Isso, porém, não significa que o vereador de oposição vai votar sempre contra as propostas do prefeito. Teoricamente, ele deve se pautar pelo interesse da coletividade, isto é, tem o dever moral de votar a favor de um projeto de autoria do Executivo se este estiver de acordo com os interesses da população.

As pessoas podem acompanhar o trabalho dos vereadores acompanhado as sessões legislativas na Câmara Municipal ou por meio da TV Câmara – emissora de televisão da Câmara de Vereadores de Lages. Também podem procurar os parlamentares nos gabinetes deles. Ou seja, existem inúmeros recursos por meio dos quais os cidadãos podem acompanhar se o trabalho dos legisladores estão sendo bem desenvolvidos.

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