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Entrevista com Paulo Henrique Moratelli

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Foto: Agnes Samantha

Psicólogo e Delegado Internacional para o Brasil da Sociedad Científica  de Justiça Restaurativa da Espanha.

Correio Lageano_ Qual a importância da Justiça Restaurativa na sociedade?

Paulo Henrique Moratelli: Justiça Restaurativa  é um paradigma, é uma filosofia, um modo de entender a forma de como a gente  coloca em prática as relações na nossa vida, esse valor justiça. Muitas vezes, as pessoas pensam que quando a gente fala de Justiça Restaurativa, a gente está falando de algo do Judiciário, do Ministério Público, que esteja somente nas mãos dos juízes, promotores e advogados e, na verdade, a gente está falando de justiça, não como função e nem como instituição, mas sim como valor. E, sendo assim, esse valor justiça, está presente em todas as relações. Seja no ambiente escolar, seja em um ambiente comunitário, seja em uma família, seja em um ambiente de trabalho, em todos esses ambientes, as relações deveriam ser pregadas pelo valor justiça. O que  a Justiça Restaurativa busca fazer acontecer, é que essas relações sejam respeitosas, saudáveis e harmônicas. Esse é o grande objetivo!

Muitas pessoas acabam achando que a Justiça Restaurativa substitui a Justiça Comum, o que é um mito. Como o senhor explica isso?

Em alguns momentos, alguns autores até chegaram a propor isso, que essa Justiça Restaurativa deveria substituir a justiça tradicional ou justiça retributiva. Hoje em dia, ninguém mais pensa assim, poucas pessoas acreditam que isso deva acontecer. Em geral, o que queremos que aconteça, é que a Justiça Restaurativa seja colocada em prática conjuntamente à justiça tradicional, ou seja, aprimorar a aplicação da justiça, aprimorar a forma como essa justiça é feita. Na verdade, você tem uma colaboração entre esse dois campos, tem situações em que o processo tradicional  corre paralelamente, então, tem o procedimento restaurativo que pode, sim, resolver o processo tradicional e encerrar aquela demanda, aquele litígio. A ideia é que a Justiça Restaurativa seja o algo a mais e seja um processo que colabore com o próprio sistema de justiça, e não modifique ou termine, de como a justiça é feita hoje para que exista só a Justiça restaurativa.

A Justiça Restaurativa pode evitar a incidência de crime?  Existe estatística sobre isso?

Um dos grandes objetivos dos procedimentos restaurativos, realmente, é modificar a forma como esse sujeito se coloca nas suas relações e sim objetivar que ele não se envolva em outros atos delitivos e outros crimes, em outras situações como está. Isso é um efeito positivo, mas um efeito colateral, por que o grande objetivo da Justiça Restaurativa é cuidar das necessidades das vítimas. Dentro dos processos restaurativos, você vai atentar e cuidar também das necessidades dos ofensores e agressores, mas não é o primordial. Diante disso, não é o foco primário da Justiça Restaurativa, evitar a reincidência. A reincidência realmente é muito menor do que na justiça tradicional, mas não é esse o objetivo. Da mesma forma que não é o objetivo da Justiça Restaurativa, fazer as pazes, conseguir um acordo, acelerar os processos judiciais tradicionais. A Justiça Restaurativa tem um foco muito claro, nas necessidades das vítimas, também dos agressores e da comunidade e, desta forma, buscar atender a todos para que essas pessoas modifiquem a visão que têm de si mesmas e das suas relações. Em consequência, produz resultados significativos na não-reincidência. A maioria dos projetos da Justiça Restaurativa, não tem foco claro em investigar a incidência e, por isso, não temos tantos dados. Mas os dados que temos, dizem sim, que a reincidência é mínima. Por exemplo, na aplicação da violência de gênero, em alguns programas que estão em prática no Brasil, colocam como reincidência zero.

Onde pode-se aplicar a Justiça Restaurativa, além da violência de gênero?

Como essa justiça é uma justiça das relações, ela pode ser aplicada em qualquer âmbito. Em empresas públicas, empresas privadas, clubes, associações, comunidades, escolas, universidades, processos judiciais, prisões, unidade de internação de adolescente em conflitos com a lei, enfim, em qualquer ambiente em que haja pessoas, pode haver e geralmente há conflitos. Todo ambiente que possa surgir uma situação de conflito é um campo propício para a aplicação das ferramentas da Justiça Restaurativa.

 

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