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Elas conquistam seus espaços com mais educação e qualificação profissional

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Proibidas de frequentar o ensino superior até o final do século 19, quando, finalmente, conquistaram o direito de estudar, as mulheres brasileiras continuaram lutando por seu espaço e não pararam mais de registrar conquistas.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas últimas três décadas, o nível educacional das mulheres tem crescido continuamente e, como consequência, no início do século 21 a escolaridade delas é maior do que a deles.

Um estudo intitulado “Estatísticas de gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil”, divulgado pelo IBGE, em 2018 (último ano de publicação), aponta a vantagem educacional das mulheres.

Enquanto apenas 20,7% dos homens brancos e 7% dos negros ou pardos com mais de 25 anos concluíram o ensino superior, 23,5% das mulheres brancas e 10,4% das negras ou pardas já possuíam graduação em alguma área.

O mesmo estudo aponta que, apesar de serem a maioria quando o assunto é formação acadêmica, as mulheres ainda são minoria quando se trata de ocupar cargos públicos ou de gerência ou na tomada de decisões. Nas gerências, elas ocupam 39,1% dos cargos, ante 60,9% dos homens.

Na política, a representatividade é ainda menor: em 2017, apenas 10,5% das cadeiras na Câmara dos Deputados Federais eram ocupadas por mulheres.

Mareli Graupe, coordenadora do Grupo de Pesquisa Gênero, Educação e Cidadania na América Latina (Gecal) da Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac), acredita que a necessidade de entrar no mercado de trabalho e o fato de que cada vez mais mulheres sustentam os lares brasileiros, são pontos que fazem com que elas procurem estudar mais.

“É relativamente recente essa abertura para a profissionalização das mulheres, por isso, além de elas buscarem um diploma e terem uma formação, também permanecem estudando em nível de pós, que pode ser uma especialização, um mestrado ou um doutorado.”

Para Mareli, a parte mais preocupante do estudo é a que se refere à remuneração das mulheres: apesar de estarem se qualificando mais, ainda ganham menos que os homens em muitas áreas.

“Isso tem a ver com uma construção social histórica sobre quais espaços e quais profissões eram proibidas para nós, mas, agora, aos poucos, estamos conquistando. Num passado que não é tão distante, cerca de um século atrás, muitos artigos importantes de mulheres que fizeram pesquisa no campo da física e astronomia, por exemplo, não podiam ser assinados por elas. Elas tinham que chamar uma pessoa do sexo masculino para assinar, como se fosse considerada uma benção”, comenta.

 

Múltiplas jornadas_ Mareli chama a atenção para outra desigualdade que, ainda hoje, em pleno século 21, afeta fortemente a vida profissional das mulheres: as múltiplas jornadas.

Segundo o IBGE, mulheres dedicam 18,1 horas semanais aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos, enquanto os homens fazem isso por quase metade do tempo, apenas 10,5 horas por semana.

“A jornada de uma mulher é dupla quando ela tem emprego formal e cuida da casa, das atividades domésticas. Quando têm filhos, elas ainda se responsabilizam por ajudar com as tarefas escolares e com os cuidados com a criança, assumindo uma tripla jornada. Se, além de tudo isso, elas decidem permanecer estudando, chegam a uma quarta jornada diária”, explica.

 

Doutoras onde são eles que dominam

A engenheira florestal Maria Raquel Kanieski, 33 anos, e a farmacêutica Maria de Lourdes Borba Magalhães, 40 anos, retratam a crescente busca das mulheres por qualificação profissional.

Doutoras em engenharia florestal e bioquímica, respectivamente, elas investiram tempo e dedicação aos estudos para oferecerem ao mercado de trabalho o melhor que puderem.

Gaúchas, as duas moram em Lages porque trabalham como pesquisadoras no Centro Agroveterinário da Universidade do Estado de Santa Catarina (CAV/Udesc).

Atuando em um ramo onde a maioria dos cargos ainda é ocupada por homens, Raquel trabalha com restauração florestal, silvicultura urbana, sistemas agroflorestais e avaliação de impactos ambientais.

Ela conta que o preconceito e o machismo precisam ser combatidos diariamente em sua profissão, pois estão muito enraizados até mesmo quando as empresas procuram por estagiários.

“Já teve empresa que pediu currículos de alunos para contratar, mas especificavam que tinham preferência por homens porque seria para trabalhar no campo. Sempre respondi que deveriam traçar o perfil profissional que estavam em busca e eu indicaria acadêmicos qualificados. Mesmo que eu indicasse mulheres que têm o perfil que procuram, as empresas geralmente selecionam homens. E quando são selecionadas, as mulheres sempre sofrem assédio moral no campo.”

Graduada e pós-graduada em Engenharia Florestal pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Raquel concluiu o seu doutorado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 2013, e logo tornou-se professora efetiva do CAV, em Lages. Por aqui, além de dar aulas para os cursos de graduação e pós, ela também atua na área de pesquisas.

“Decidi que queria ser pesquisadora e professora desde a minha graduação, e hoje me sinto muito realizada com o rumo que minha carreira tomou. Comecei a orientar acadêmicos na pós-graduação em 2015, e tenho muito orgulho em falar que minhas seis primeiras orientadas de mestrado foram mulheres”, lembra.

Sem falsa modéstia, Raquel conta que se sente orgulhosa da carreira que construiu, e inspirada quando suas alunas dizem que sonham em ser iguais a ela.

“Minhas alunas mulheres vinham até mim e diziam que sou um exemplo e que gostariam de ser como eu no futuro. Eu sempre ficava receosa de receber esse elogio, mas hoje não fico mais. Que bom que eu sou essa pessoa que influencia, que bom que conquistei este lugar. Quero continuar influenciando outras mulheres a seguirem este caminho, porque sei que não é fácil.”

 

Escolhas e desafios

O doutorado em Bioquímica de Maria foi conquistado graças ao suporte que recebeu

Maria de Lourdes formou-se e fez pós-graduação na área da farmacêutica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e estava recém-casada quando deu uma guinada total na vida para fazer seu doutorado nos Estados Unidos.

Em 2003, ela começou a pós-graduação na Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova Iorque e, no ano seguinte, descobriu que estava grávida do primeiro filho.

“Era tudo novo, o casamento, o doutorado, o país e acabei engravidando. Foi um grande desafio, mas graças a Deus tive um orientador que me acolheu muito, porque não foi fácil.

Iniciei o doutorado e assumi me dedicar 24 horas por dia, sete dias na semana, daí veio um filho. Ele é o tesouro da minha vida, mas naquele momento foi um baque muito grande porque eu tava lá [nos Estados Unidos] para estudar.”

Logo que o filho de Maria de Lourdes nasceu, ele teve meningite e ela precisou parar por dois meses para se dedicar exclusivamente à saúde do bebê.

“Quando voltei a estudar e a trabalhar tinha horário para tudo, até para mamadeira, para o lanche, para estudar. Mas eu consegui organizar e conciliar todas as atividades e conclui o doutorado em tempo e com muitas publicações”, lembra.

Ela atribui esta conquista ao auxílio que recebeu naquele período, seja das amigas que ajudavam a cuidar de seu filho, seja do orientador que soube compreender o momento difícil pelo qual passava e não a deixou perder os prazos para conclusão do doutorado.

“Com bastante organização, consegui concluir e foi muito legal isso. Foi uma experiência muito boa, mas não foi nada fácil.”

Maria concluiu o doutorado em 2008 e ficou morando nos Estados Unidos até 2011, fazendo pós-doutorado. No mesmo ano, ela e a família voltaram ao Brasil e decidiram que iriam morar em Santa Catarina.

Em 2013, ela começou a trabalhar na Udesc, em Lages, onde atua até hoje nas áreas de bioquímica e biotecnologia. Além das atividades ligadas à docência e à pesquisa, criou uma startup que está incubada no Órion Parque Tecnológico.

“Eu acho que todo mundo tem espaço, nunca tive nenhuma dificuldade na minha carreira por ser mulher. Particularmente, penso que dificuldades a gente encontra e que cada pessoa é uma pessoa diferente, cada um vai encontrar uma dificuldade de acordo com o seu histórico, com o seu jeito de ser e tal. Mas uma questão que para mim é muito real, é o excesso de obrigações. As várias jornadas são uma realidade, não tem como negar isso. Se a gente se dedica aos filhos, sente culpa pela carreira. Se nos dedicamos muito à carreira, sentimos culpa pelos filhos. Se tem uma coisa que me define hoje, é que estou sempre me sentindo culpada”, conta.

Com a estabilidade profissional, Maria garante que está satisfeita com o rumo que a sua vida tomou e prevê: “sinto que tenho um mundo inteiro para alcançar a partir de agora”, completa.

*O CL está atento às demandas das mulheres na sociedade. Relembre, aqui, o especial “Entre Quatro Paredes”, que fala sobre violência doméstica em Lages. 

 

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