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A luta pela preservação da história no Museu Malinverni Filho

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Dona Maria do Carmo, aos 92 anos, ainda tem fôlego para lutar pelo museu - Foto: Patrícia Vieira

Mesmo passando por dificuldades financeiras, o Museu Malinverni Filho, localizado na Rua Manoel Thiago de Castro, no Centro de Lages, mantém viva a memória do artista. Contudo, enquanto a administração aguarda pela reforma da casa que abriga o museu, parte das obras foram retiradas do local.

Fundado no dia 22 de maio de 1986, com o objetivo de homenagear o ilustre lageano Agostinho Malinverni Filho, lá estão guardadas as obras do artista acadêmico que, com seu trabalho, procurou dar vida ao cotidiano da cidade e resgatou a beleza da Serra Catarinense.

Malinverni chegou a estudar na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro. Estima-se que, aproximadamente, 3.900 peças, entre esculturas, pinturas, escritos, poemas, documentos e objetos particulares do artista, contemplem o acervo do museu, além de outras tantas que estão espalhadas no Brasil e em outros países.

Com o passar do tempo, a casa que abriga o acervo apresenta rachaduras e infiltrações nas paredes. O piso que é de madeira está cedendo, e não há recursos para uma reforma. Anteriormente, a instituição recebia um apoio anual de R$ 30 mil, para manter o prédio e arcar com despesas mensais.

Com o Marco Regulatório, no começo de 2017, a Associação dos Amigos do Museu deixou de receber esses recursos. A situação se agrava a cada dia. “Hoje, nem mesmo o telefone para os contatos e agendamentos está funcionando”, comenta Jonas Malinverni Filho.

Despesas com água e luz e demais encargos são compartilhadas pela viúva de Malinverni, a dona Maria do Carmo, que, aos 92 anos, ainda tem fôlego para lutar pela memória do artista, com o filho Jonas, também artista plástico. Ela comenta que nunca pensou em fechar o museu, pois ele faz parte da história de Lages “Estamos lutando para preservar a memória do artista. Um bem histórico importante para a nossa cidade”, disse.

Segundo o coordenador de Difusão e Articulação Cultural da Fundação Cultural de Lages, Fabrício Hasse Furtado, o Poder Público está auxiliando a administração do museu na elaboração de um projeto para a reforma do prédio. Além disso, dois servidores são disponibilizados pela prefeitura para trabalhar no local.

Museu precisa atualizar cadastro junto à FCC

Questionada sobre as dificuldades financeiras do Museu Malinverni Filho, a Fundação Catarinense de Cultura (FCC) explicou que o museu é de propriedade privada, e ainda não respondeu ao Cadastro Catarinense de Museus e à adesão ao Sistema Estadual de Museus de Santa Catarina (SEM/SC), vinculado à FCC, que está vencida desde 30 de março de 2017.

Com isso, o museu não pode participar de editais e demais políticas públicas estaduais voltadas ao setor museológico. Não há custos para regularizar a situação perante a fundação. “A regularização cadastral do Museu permitiria, entre outros fatores, que a instituição recebesse visitas técnicas da coordenação do SEM/SC; preferência em vagas em oficinas, cursos e recebimento de publicações técnicas; e que participasse do Edital Elisabete Anderle, principal instrumento de fomento à arte e cultura no Estado, em categoria correspondente”, informou a FCC.

Para isso, a fundação recomenda “a regularização da situação cadastral do museu e a participação da equipe ou algum representante no 5º Fórum Catarinense de Museus, pois a programação oferece opções de capacitação e estabelecimentos de contatos com outras instituições”.

Para museóloga, Poder Público precisa incentivar

Para a museóloga e professora, Carla Juliane Madeira de Souza, atualmente os museus, têm enfrentado muitas dificuldades financeiras, falhas estruturais e ausência de servidores capacitados. “A falta de incentivo por parte do Poder Público, tanto municipal, estadual ou federal, faz com que os museus escolham entre fechar as portas ou funcionar mesmo de modo precário”, afirma a museóloga.

Carla explica que o museu vai muito além de somente manter as portas abertas para a visitação. “É preciso uma manutenção dos prédios, que normalmente são imóveis históricos adaptados que requerem um cuidado diferenciado. Contudo, os acervos também exigem condições especiais de armazenamento, como adequações das áreas”.

Em relação ao MaIinverni, Carla comenta que a situação é delicada, embora sendo uma instituição privada, precisa manter seu patrimônio, cuja manutenção predial e dos acervos, não é barata. “O Poder Público precisa entender que o acervo é considerado uma fortuna, com valor histórico para a cidade e a Serra Catarinense”.

Inventário

Em 2011, foi realizado um inventário do museu, proposto pelo Edital de Cultura da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Para a realização prática do projeto, a equipe foi composta por Fernanda Maria Trentini Carneiro, mestre em artes visuais e por Morgana do Carmo Andrade Barbieri, bibliotecária especialista em gestão de arquivos.

O processo de inventário requereu um levantamento das obras dispostas no museu e seu estado de conservação. Segundo artigo publicado pela equipe de pesquisa, “durante o processo de inventário, inúmeras obras foram encontradas enroladas e degradadas pelo tempo. Suas séries de desenhos mostram a persistência e a escavação perfeccionista que o artista procurava alcançar”.

Ainda segundo o grupo, “por meio do inventário, desenvolvido entre 2010 e 2011, anseia-se que o museu e o acervo do artista possam ter visibilidade na sociedade e para futuras pesquisas, tentando problematizar os lugares e os significados atribuídos ao patrimônio cultural, com ênfase em políticas públicas de preservação, batalhas de memória e embates identitários, interações entre trocas culturais e trocas econômicas, bem como tensões entre o público e o privado nos processos de patrimonialização”.

Em 2009, pesquisadores do Projeto de Pesquisa Academicismo e Modernismo da Udesc realizaram um levantamento no Museu. O projeto teve o intuito de mapear os principais artistas catarinenses identificados com o academicismo e modernismo, e entre os artistas estava Agostinho Malinverni Filho.

Dificuldades dos museus

Assim como Malinverni Filho, os museus enfrentam dificuldades tanto financeiras quanto estruturais em todo o País. Conforme o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) há 3.879 museus catalogados no Brasil.

Destes, há diversos relatos de unidades que tiveram que encerrar suas atividades por falta de recursos para se manter ou dificuldades estruturais. Não existe um levantamento oficial sobre museus fechados no Brasil, segundo reportagem da BBC Brasil.

Em março de 1985, a durante a criação do Ministério da Cultura, foram estabelecidas algumas iniciativas para a área do patrimônio, incluindo os museus. Em 2003, foi lançada a Política Nacional de Museus, destinada a unidades de todas as esferas.

Em 2013, foi sancionado o Estatuto dos Museus, com medidas, que, em tese, garantiriam a segurança e a conservação aos locais que guardam parte da história do país ou do mundo. Porém, na prática, as iniciativas não são seguidas. De acordo com o Conselho Federal de Museologia (Cofem), o orçamento público destinado aos museus é precário e não garante quesitos considerados fundamentais para preservar os acervos.

A maioria dos museus brasileiros são públicos e relacionados a uma esfera – municipal, estadual ou federal. O órgão superior responsável por unidade é quem encaminha as verbas para a instituição. Museus particulares também costumam receber verba pública, por meio de leis de incentivo.

Quem é Malinverni

Em um bate papo descontraído enquanto tricotava uma peça de lã, Dona Mariechen, como é chamada, lembra que o artista pintou vários quadros, que, além dos que estão expostos no museu, há telas espalhadas em mais de 14 países.

“Todas as telas têm uma ligação muito grande comigo. Eu assistia ele criando as obras. Muitas vezes dava até palpite, e ele [Malinverni] mandava eu fazer tricô. Mas quando voltava lá, ela havia feito o que eu tinha dito”, lembra.

Filho de imigrantes italianos, Agostinho Malinverni Filho nasceu em Lages em 16 de fevereiro de 1913. Com apenas 13 anos, pintou seu primeiro quadro intitulado “Santa Luzia”, com tintas preparadas por ele mesmo.

Aos 15 anos, conquistou o primeiro lugar em um concurso estadual de desenho. Em 1934, iniciou os estudos na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, com auxílio de bolsa do Governo do Estado de Santa Catarina.

Ao longo de sua trajetória, além de diversas exposições, vendeu suas obras para outros países, entre eles França, Alemanha, Inglaterra, Espanha, Argentina, Uruguai, Áustria, Portugal, Holanda, Estados Unidos, México, Texas. Por três anos, foi restaurador das telas do Palácio Itamaraty.

Em 1958, quando voltou a Lages, fundou a primeira Escola de Belas Artes do Estado de Santa Catarina, que funcionava com métodos e modelos organizados e criados por ele. Com estilo clássico, suas pinturas mais célebres retratam as paisagens da Serra Catarinense.

Malinverni Filho também se destacou como escultor. Estátuas e bustos feitos por ele, de diversas personalidades, como a de Antônio Correia Pinto, fundador de Lages, Nereu Ramos e Jorge Lacerda, podem ser encontrados em diversas cidades. No Estado, obras como essas estão em Lages, Brusque, Florianópolis, Rio do Sul, Palhoça e Videira. Faleceu em sua terra natal, em 14 de janeiro de 1971.

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