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Memórias sobre a Educação

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Foto: Vinicius Prado

“As aulas são muito boas e ajudam no desempenho dos alunos”. A Educação pode ser transformadora, como essa frase da estudante Emanuelle Tavares Miranda. Mas isso depende diretamente da escola onde o aluno está inserido.

Talvez, por isso, muito se diz que “no meu tempo era diferente”. Não precisa ir longe para encontrar essa falácia; de que a escola era melhor antigamente. Agora mesmo, poderia dizer que os primeiros anos do meu ensino fundamental na Escola de Educação Básica Flordoardo Cabral foram os melhores onde já estudei – ainda que eu me recorde de poucas coisas. Fato é que todos temos algo para contar sobre esses tempos de escola. Mais do que regozijar tempos áureos, é preciso revisitar as carteiras escolares com um olhar analítico – e, quem sabe, crítico.

Nesse sentido, a memória afetiva é importante porque através dela lembramos das aulas, de colegas, da escola como um todo. Pode ser que você goste do seu tempo de escola porque se sentia bem, gostava de alguma disciplina em especial, da merenda etc. Independentemente de qual seja sua lembrança, lhe faz bem. Contudo, há quem queira distância. Seja por um ensino rígido ou por problemas como bullying. 

A pequena Emanuelle, por exemplo, adora matemática. Aluna do 4º ano do ensino fundamental do Flordoardo Cabral, gosta de estar na escola porque, além do aprendizado, se sente bem com os colegas. Com apenas 10 anos, mas já com senso crítico, a garota sabe do alicerce educacional: respeito. Por isso, faz questão de contar numa redação, escrita especialmente ao CL, a importância do respeito em seu aprendizado. 

Isso me lembra o quão necessário foram as lições aprendidas com as professoras do fundamental. Danúsia, Grécia, Terezinha e Maria Auxiliadora marcaram diferentes épocas dos meus tempos de escola. Assim como recordo fielmente de uma encenação teatral dentro de sala, na primeira série com a professora Danúsia, onde fiz o papel do narrador. Ou da declamação de um poema de Vinicius de Moraes. Memórias afetivas que não esqueço porque foram boas.

O que explicam essas memórias são o fato de que o ser humano é o único animal que desenvolve linguagem. “O ato de lembrar está relacionado com a nossa capacidade cognitiva de desenvolvimento de linguagem. É o ato de lembrar que nos estrutura enquanto animais que não suportam viver sozinhos”, explica a historiadora Sara Nunes. E, segundo ela, toda a memória individual é afetiva, pois o ato de lembrar nunca é igual. “O ato de lembrar sempre ocorre conforme a diferente fase do dever do tempo na vida.”

Tempos rígidos

Por isso, achar incrível a escola, como a aluna Emanuelle descreve em seu texto, é normal. Contudo, há quem enxergue de forma diferente. O jornalista Adecir Morais iniciou os estudo no começo da década de 1980, e teve um ensino bastante rígido. À época, o Brasil ainda vivia em plena Ditadura Militar que se estendeu de 1964 a 1985. Obviamente, esse regime ficou marcado por perseguições e repressão.

O ensino primário – 1ª  a 5ª série naquela época -, hoje parte do Ensino Fundamental, era o modelo de ensino praticado. Segundo lembra Adecir, tal modelo era alicerçado em leis e regulamentos que fomentavam um regime rígido, em que os professores eram verdadeiras autoridades nas salas de aula. “Talvez fruto deste autoritarismo, certamente influenciado pela Ditadura Militar, a organização escolar naquela época era diferente da que temos hoje”. 

O uso de castigos e punições era frequente. “Lembro-me que os alunos eram obrigados a fazer uma oração – geralmente o Pai Nosso – e cantar o hino nacional antes do início das aulas. Aqueles que, por acaso, desobedecessem a alguma ordem, poderiam ser castigados severamente. O poder na sala de aula era centrado na figura do professor, e o aluno não tinha liberdade para contestar determinadas práticas e decisões da escola.”

Se comparado a vivência da pequena Emanuelle, os bancos escolares mudaram bastante. Principalmente no que diz respeito a figura do professor em sala de aula.

Relato do jornalista Adecir Morais

“[…] No se refere ao conteúdo que era passado aos alunos, a educação moral e cívica e o método fônico de alfabetização (o ensino através dos sons das palavras) faziam parte da grade curricular de ensino. Além disso, os alunos eram obrigados a decorar a tabuada; o ditado também era uma prática corriqueira na época.

Além do castigo moral, os alunos eram punidos com castigos físicos. Recordo-me que quando um estudante transgredia as normas internas das escolas, tinha de ficar por alguns instantes “cheirando” a parede da sala de aula ou ajoelhado em grãos de milho. Além disso, levava puxões de orelha ou até mesmo era agredido com uma régua grande de madeira, que geralmente acompanhava minha professora.

Aos 13 anos, concluí meu ensino primário e, anos mais tarde, dei sequência aos estudos até chegar à universidade. Atualmente, porém, as experiências vividas quando dei meus primeiros passos no ensino escolar, naqueles anos de chumbo, ainda estão vivas até hoje na minha memória.”

“Os alunos devem respeitar os professores”

Se a Educação cria memórias diferentes para cada aluno, para os professores não é diferente. Para a administradora e assessora do Flordoardo Cabral, Nelci Maria Rodrigues, as transformações começam pela forma como o professor precisa conduzir a aula.

 

Ela analisa que na década de 1990, por exemplo, os professores entravam em sala mais preparados. “Havia outra didática. Era um profissional muito bem formado, pois quando entrou [nessa profissão], queria aquilo.”

Além disso, Nelci lembra que à época existia o magistério, um tipo de formação de professores integrada ao ensino médio bastante comum. Diferentemente da pedagogia atual, pois observa alguns profissionais se formando com dificuldades. Outro fator de transformação, especialmente dos últimos 30 anos, foi a tecnologia. Se na década de 1990 e anos 2000 era comum encontrar quadros de giz, retroprojetores, televisores de tubo dentro de armários cadeados. Hoje, há recursos à beça. Mas falta capacitação aos professores, avalia Nelci.

Por isso, é comum observar comentários de que o ensino mudou drasticamente. Hoje, professores e alunos precisam conviver com novos recursos, que estão em constante movimento.

Contudo, fato é que, de modo geral, a escola recebeu muitos recursos. Isso tudo para tentar minimizar algumas desigualdades. Dentre algumas mudanças está o atendimento pedagógico aproximado, ensino integral e segundo professor para crianças com necessidades especiais.

Instituto José Paschoal Baggio 

Em 15 anos de ações dentro das escolas de Lages e região, o Instituto José Paschoal Baggio (IJPB) esteve presente em muitas transformações. A gerente executiva do instituto, Edite Moraes, lembra que quando o trabalho do Lendo e Relendo se iniciou em 2004, havia uma metodologia mais formal.

Quando o jornal Correio Lageano chegou em sala de aula, buscou-se quebrar essa regularidade e tornar interdisciplinar os conteúdos.

Conforme destaca Edite, o intuito sempre foi trabalhar a coletividade. Seja com jogos, eventos, entre outros trabalhos, o conteúdo visava a realidade do aluno.

Por meio de muitas notícias, procurava-se a reflexão dos estudantes, de forma que pensassem através de diversas disciplinas como sociologia, filosofia, matemática, português.

Dessa forma, a gerente executiva destaca a importância de o professor trabalhar cada vez mais as inovações, sem tentar “inventar a roda”. Pois a essência está na coletividade. Para Edite, não adianta dizer que o jovem não interage e fica apenas no seu mundo tecnológico, por exemplo, se não tem opções que movimentem o aprendizado dele.

Entrevista

A professora Vera Rejane Coelho, mestre em Educação, supervisora do Contraturno e da Educação de Jovens e Adultos Sesi/Senai/Fiesc, fala sobre as principais mudanças na Educação dos últimos anos e como isso impacta a didática recente.

Correio Lageano: Quais as principais mudanças na educação nos últimos 30 anos?

Vera Rejane: Nos últimos 30 anos, tivemos dois grandes fatores que mudaram de forma substancial o rumo da educação escolar no Brasil: primeiro foi a promulgação da Constituição Federativa do Brasil (1988), que em seu art. 205, onde determina que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. No art. 206, esse documento aponta para os princípios básicos para a educação escolar no Brasil. 

O segundo fator foi a publicação da Lei 9.394 de 1996, que instituiu a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a qual regulamentou o funcionamento da educação escolar no Brasil, inclusive definindo competências específicas para a União, os Estados e Municípios, no que a escolarização. 

A partir da LDB de 1996, coube a União priorizar a educação superior; aos Estados, o Ensino Médio e os anos finais do Ensino Fundamental e aos Municípios, a Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. 

Destaque pontos positivos dessas mudanças e se tiver, negativos, da educação nas décadas de 1960 e 1970, em comparação com o século 21.

Para falar de educação na década de 1960 é essencial destacar a publicação da primeira LDB da Educação no Brasil – Lei 4.024, de 1961, quando foi dado o início da regulamentação e estruturação da educação escolar, por exemplo: determinou obrigatoriedade de matrícula nos quatro anos do ensino primário e critérios mínimos para a formação do professor.

Além disso, também estipulou um valor mínimo de 12% do orçamento da União e 20% dos municípios deveriam ser gastos com a educação; abre para a entrada da iniciativa privada fazer educação no país; dentre outras questões.

Na década de 1970, a Lei 5692/71 instituiu a segunda LDB, publicada no contexto do regime militar. É nessa Lei que aparece pela primeira vez a possibilidade de um currículo diversificado, ou seja, a base comum curricular, mais uma parte que deveria ser regionalizada.

Ensino de 1º grau obrigatório dos 7 aos 14 anos, Educação a distância como modalidade de ensino e dentre outras questões a inserção da disciplina de Educação Moral e Cívica na estrutura curricular da Educação básica. 

Nesse sentido, cabe destacar que essas duas leis foram importantes para que o processo de regulamentação da educação escolar no Brasil, chegasse ao final do século XX com mais dignidade e reconhecimento para com todos os envolvidos nela.

A escola, na atualidade, é muito criticada, assim como professores. Alguns movimentos querem que os alunos possam estudar em casa com os pais. Entretanto a escola é lugar de socialização. O que a senhora pensa a respeito?

A escola ainda é um dos lugares mais propícios ao processo de socialização e de empoderamento da criança, do jovem, e do adulto quando participa da Educação de Jovens e Adultos. Não há nenhum outro espaço em que haja a convivência com tanta diversidade, por tanto tempo.

Esse fator – convivência, permite ampliar o olhar para realidades que vão além do nosso dia a dia. A escola é o retrato da sociedade ao qual ela está inserida. Nesse sentido, a desvalorização da escola perpassa pela desvalorização da própria condição humana.

Nunca foi tão necessário a união entre escola e família. Infelizmente, estão transferindo à escola uma educação que é inerente ao seio familiar – a educação da convivência, do respeito mútuo e da perpetuação de valores. O papel da escola é desenvolver uma educação sistematizada e científica, para além das informações que circulam nos meios de comunicações. 

Quanto as famílias que estão optando por ensinar seus filhos no recinto doméstico, não há nada que comprove que essas crianças aprenderão mais ou menos que as que frequentam escolas regulares. Penso que é uma metodologia diferenciada e que só o tempo nos dará uma resposta. 

Como a senhora entende a filosofia do educador Paulo Freire e a sua perspectiva de educação emancipadora, como que a escola pode aplicar esse conhecimento?

Assim como Paulo Freire, temos tantos outros estudiosos brasileiros que projetam na educação a capacidade de transformar os sujeitos e a eles transformarem o seu meio.

Mas será que a nossa escola tem condições de oportunizar essa formação, capaz de torná-lo crítico e consciente da sua realidade? Quero deixar claro que ao me referir a escola não estou polemizando somente o papel do professor.

Começamos pelas próprias políticas públicas. A exemplo do Plano Nacional de Educação, que na vigência anterior das suas 6 grandes metas, foram cumpridas apenas 2 e já estamos em uma outra vigência, com outras propostas. 

A educação emancipadora pressupõe políticas e gestão educacional claras, com implantação e acompanhamento de processos, com princípios éticos e humanos.

Enquanto ainda houver escolas sem uma estrutura mínima para que nossas crianças possam se sentir acolhidas em sua dignidade e enquanto houver professores sendo desrespeitados todos os dias em nossas salas de aula, não há como falar de educação escolar de qualidade, muito menos emancipatória.

Mas, penso que devemos nos manter firmes em nossos propósitos de dar o melhor de nós aos que compreendem a escola como uma instituição que ao lado da família pode melhorar e muito o rumo da nossa sociedade. 

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