Economia e Negócios

Fumo é carro-chefe da agricultura em Rio Rufino

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Deivis mostra as sementes plantadas no sistema floating. Depois de brotar elas serão plantadas na terra - Fotos: Núbia Garcia

O pequeno município de Rio Rufino, na Serra Catarinense, é conhecido como a Terra do Vime, mas, curiosamente, o carro-chefe da produção agrícola local não tem nada a ver com vime. Considerado um grande vilão da saúde pública por entidades como a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde, o fumo é o propulsor da economia rio-rufinense.

De acordo com a Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, a produção anual média de fumo gira em torno de 480 toneladas por safra, provenientes de 62 produtores, e a remuneração média é de R$ 10 por quilo. A segunda maior produção é a de leite, que conta com 43 produtores, que produzem 2,7 milhões de litros por ano.

De acordo com o diretor administrativo da Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente do município, Antonio Márcio Pereira, apesar de não receber subsídios tampouco incentivos por parte do poder público, a produção de tabaco tem participação significativa na economia local.

“Para o produtor, o fumo está sendo uma saída, porque tem uma renda significativa em relação a outras culturas que não têm garantia de mercado. A produção continua em alta pela credibilidade que as empresas [fumageiras] têm, pois fazem sempre um trabalho sério. Isso traz a segurança para o produtor e, por isso, ele opta por essa cultura”, avalia.

Pereira explica que como os produtores não recebem subsídios do governo, toda a ajuda para manutenção e assistência técnica da lavoura vêm das fumageiras. “Eles [empresas] fazem um contrato no qual o produtor adquire insumos e auxílio, e o pagamento é cobrado com juros e pago com o produto”, explica.

Cultivo é feito artesanalmente

A rotina de quem planta fumo é bastante intensa, pois trata-se de um cultivo integralmente artesanal. Nesta época do ano, entre julho e agosto, é feito o semeio pelo sistema ‘floating’, que é quando a semente é colocada em bandejas para o cultivo inicial e mantida em mini estufas até brotar. Após, a planta é transferida para a terra (processo feito no início de outubro), onde se desenvolve até que esteja pronta para ser colhida, o que acontece entre dois e três meses após o plantio (por volta de fevereiro).

A colheita é integralmente manual e feita por etapas. Cada pé de fumo produz cerca de 20 folhas e, a cada etapa da colheita (feita com intervalo de uma semana), são retiradas entre quatro e seis folhas do pé. Como a maturação começa da base para o topo, primeiro são colhidas as folhas da parte mais baixa, por isso, a primeira colheita é conhecida como baixeiro.

Depois de colhidas, as folhas são penduradas em estaleiros dentro de fornalhas, onde passarão por um processo de secagem, para retirar a umidade. Este é o processo mais trabalhoso do cultivo, dura uma semana e exige atenção do produtor 24 horas por dia.

“Nestes dias, a gente praticamente dorme ao lado da estufa, para não deixar apagar o fogo nem diminuir a temperatura, pois isso pode prejudicar a qualidade da folha que será vendida”, conta o produtor Deivis Willi Costa, 39 anos. Desidratadas, as folhas são selecionadas e vendidas para empresas fumageiras, que produzem os derivados do tabaco, como cigarros e charutos.

Remuneração compensa o intenso trabalho

O cultivo de fumo é tradicional na família de Deivis, que é natural de Bom Retiro. Quando mudou-se para Rio Rufino, há cerca de 15 anos, adotou o cultivo como carro-chefe da sua produção familiar, que envolve também milho e feijão, em quantidades menores.

Com o fumo, sua produção média gira em torno de 28 a 30 mil quilos por safra, plantados em 10 hectares. Além disso, tem uma área de reflorestamento de eucalipto, cuja madeira é transformada em lenha e utilizada para a secagem do fumo.

Para ele, o retorno financeiro compensa todo o trabalho que este tipo de lavoura dá. “A cultura do fumo é um produto que tem a venda garantida e é o que traz a economia do município à frente”, diz.

Nas terras de Deivis, no período de entressafra do fumo acontece o plantio de pastagem, conhecida como adubo orgânico. Depois de crescer, esta pastagem é cortada e deixada na terra, como forma de adubá-la, a fim de evitar erosão e prepará-la para receber novos brotos de fumo. “Não plantamos milho e feijão na entressafra porque não dá tempo. Com a entrada do inverno, não tem janela de plantio”, afirma.

Idalino Meurer, 56 anos, produz fumo há mais de 25 anos e, segundo ele, a intensidade do uso de agrotóxicos mudou bastante neste tempo. “As pessoas falam que se usa muito agrotóxico, mas o fumo é uma das culturas com menos agrotóxicos do que tomate, batata e outros alimentos. Antigamente, toda semana tinha que passar até três tipos de agrotóxico na lavoura, mas hoje, o fumo não precisa mais de tanto agrotóxico”, garante.

Tanto Idalino quanto Deivis garantem que o cultivo de fumo exige o uso do agrotóxico em duas etapas: nos canteiros, antes do plantio, para eliminar insetos; e para queimar os brotos da planta, para que cresçam apenas folhas.

A miniestufa de Idalino já está pronta. Em outubro ele inicia o plantio na terra

Ilária trocou o fumo por plantio de orgânicos

O fumo é uma produção que causa bastante controvérsia, especialmente por não ser apoiada pela Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde. No Brasil, o cultivo não recebe assistência ou incentivo de nenhum órgão público. A Epagri, por exemplo, não oferece assistência técnica porque não incentiva essa cultutra.

Apesar do fato de a produção ser bastante expressiva, muitos produtores abandonaram o fumo. É o caso da propriedade de Ilária Blomer, 66 anos. Ela começou a ter contato com o fumo quando tinha apenas 6 anos e, quando se tornou adulta, cultivou a planta por 30 anos. “Faz seis anos que a gente deixou de plantar. Era muito trabalhoso e, além disso, a remuneração não era boa. Não valia a pena.”

A família de Ilária deixou de produzir fumo e passou a plantar orgânicos

Em frente a sua casa estão os pedaços do que um dia foi uma estufa de secagem das folhas de fumo. “Eu renegava muito por causa da sujeira e do veneno [agrotóxico], que faz muito mal”, conta, lembrando que seu filho sequer podia ajudar na lavoura, pois passava mal com o desbrotante.

A produção de fumo foi substituída e, atualmente, a família trabalha com diversos produtos orgânicos, como alface, tomate, feijão-de-vagem, repolho e aipim, dentre outras. “Hoje, somos muito mais felizes. Não lidamos com veneno e as pessoas vêm na porta da nossa casa pra comprar os orgânicos.”

Valdemar Kahl, 66 anos, é de Ituporanga e, por lá, trabalhou com fumo por 40 anos. Assim como Ilária, há seis anos também abandonou a produção. “Larguei tudo porque não dá dinheiro, esse é o problema. Além disso, eu me aposentei e minha aposentadoria dá mais do que o fumo. Essa planta não dá dinheiro e destrói a natureza, porque uma estufa ‘come’ uns 100 metros de lenha por ano”, afirma.

Valdemar abandonou a produção de fumo devido a baixa remuneração pelo produto

Segundo ele, embora a quantidade de agrotóxicos utilizada não seja grande, a nicotina que o fumo expele também é prejudicial. “Tem gente que vai pra roça e tem o tal porre de fumo, como dizem. A pessoa tonteia, dá vômito por causa da nicotina. Lá em casa, quando a gente lidava com fumo, antes de tudo ia pro chuveiro tomar um banho, só depois entrava em casa pra comer”, lembra.

Você sabia?

  • O sul do Brasil é responsável por 98% da produção nacional de fumo.
  • De acordo com a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), a estimativa para a safra 2017/18 no país é de 675,5 mil toneladas. Deste total, 667,2 mil toneladas são provenientes dos estados do sul e 224,4 mil toneladas, de Santa Catarina.