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Flexibilização é só para a posse, mas não o porte
Decreto que flexibiliza a posse de armas no país tem texto alterado, mas precisa ser publicado no Diário Oficial da União para entrar em vigor. Uma das principais mudanças estabelecidas é o maior tempo de validade do registro.
A renovação passará de cinco anos junto à Polícia Federal, para 10 anos. Outra novidade é a necessidade de declaração de um local seguro para guardar a arma. O professor-coordenador da cadeira de balística da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina (Acadepol), delegado João da Cunha Neto, analisa as consequências da flexibilização das regras sobre o armamento.
O decreto anunciado na manhã de terça-feira (15) pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), além de ampliar a validade do registro para 10 anos, retira a exigência de autorização de delegado da Polícia Federal (PF), mas deixa algumas dúvidas.
O prazo da renovação do registro é contado a partir da data da emissão da concessão ou conta após a publicação do decreto? Como há questionamentos, abre-se a possibilidade de revisão do texto. Já para a renovação do registro junto ao Exército, a validade passou de três anos, também para 10 anos.
Antes de assinar o decreto, Bolsonaro disse que a população, no referendo de 2005, havia decidido “soberanamente” sobre a questão. “ Foi isso que ele prometeu em campanha, inclusive ele falou que ia respeitar o referendo em que mais de 60% da população votou não, ou seja, que não queria o desarmamento, não queria que a venda de arma fosse proibida e que nunca foi respeitado pelo governo anterior”, lembra o delegado.
Durante a assinatura Bolsonaro observou que um dos problemas que o decreto enfrenta é a “comprovação da efetiva necessidade [da posse de uma arma]”. “E isso beirava à subjetividade”, disse. Crítico desta particularidade, o delegado titular da Polícia Civil da Comarca de Indaial, João Neto comemorou a retirada da subjetividade da análise da Polícia Federal.
“O que a lei fala é que o cidadão tem que declarar efetiva necessidade. Declarar é um ato unilateral. O cidadão declara o que ele quiser. O que a Polícia Federal vem exigindo é a comprovação de efetiva necessidade, só que isso não está na lei. É algo discricionário da PF. O que acontece, o cidadão preenche os requisitos legais, ele não tem passagem, passou no laudo, tem ocupação lícita, está tudo certo e a PF nega alegando que ele não comprovou efetiva necessidade. Ou seja, tira dele o direito que ele tem por Lei de ter essa arma por uma carga subjetiva”, explica.
Promessa de campanha
A flexibilização da posse de armas no país foi uma das principais promessas de campanha de Bolsonaro. Entretanto, o delegado alerta que não se pode confundir porte de arma de fogo com registro de arma.
O porte de arma é a autorização para a pessoa andar armada na rua, algo extremamente restrito. Fora das organizações policiais e dos servidores públicos que têm porte de arma funcional, para o cidadão comum é extremamente difícil, quase impossível.
Portanto, o professor afirma que o cidadão comum tem acesso mais fácil ao registro da arma de fogo. Com o registro da arma de fogo ele pode manter essa arma dentro de casa, ou dentro da sua empresa, por exemplo, mas não pode andar armado na rua.
O coordenador notou que apesar de até novembro do ano passado o cidadão poderia ter até seis armas, mas na prática não era o que acontecia. “O que acontecia em quase todos os estados, era a negativa de registro da segunda arma por ausência de efetiva necessidade, mesmo que o cidadão tivesse esse direito. Em novembro de 2018, o Departamento da Polícia Federal publicou instrução normativa reduzindo esse número para dois. Agora, com o novo decreto, são quatro armas, mas o decreto não especifica a espécie.”
O que acontece até hoje, é que tanto a Polícia Federal quanto o Exército modificam as normativas infralegais relativas às armas de fogo constantemente, praticamente a cada seis meses. Isso causa insegurança jurídica”, assegura.
O cadastramento dos cidadãos para ter a posse de arma poderá deixar de ser uma tarefa exclusiva da Polícia Federal, que poderá receber o apoio da Polícia Militar e a Polícia Civil nos estados para realizar a tarefa.
Ele explicou que poderá estabelecer o convênio por meio de MP (Medida Provisória). A Polícia Civil só recolheria os documentos para remeter à Polícia Federal, que continuaria a deter o poder para autorizar os registros.
Liberação de armas não significa mais crimes, diz delegado
O professor também falou sobre a crença das pessoas de que a população irá se armar semelhantemente ao que ocorre em algumas cidades norte-americanas, e que o número de chacinas em locais públicos ou abertos a uma determinada comunidade como igrejas, universidades e festas venham a aumentar.
“Lá é a clara demonstração que mais armas não significam que vira bang-bang, não significam mais crimes. O Estados Unidos têm quase 400 milhões de armas na mão da população. O índice de homicídios nos EUA está em torno de 5 por 100 mil habitantes. Aqui no Brasil, são aproximadamente 600 mil armas na mão da população e o nosso índice é 30 por 100 mil, é seis vezes maior e tendo só uma parcela das armas, por quê? As armas não causam crimes. Não tem relação estatística nenhuma entre a presença de armas e o aumento da violência”, analisa.
Ele cita o Uruguai por exemplo, tem muito mais armas que o Brasil por habitante e é um país muito menos violento. “Nós temos hoje o Estatuto do Desarmamento que desarmou a população, milhares de armas que estavam há gerações nas famílias foram destruídas e, mesmo assim, o nosso índice de homicídios hoje é muito maior do que era em 2003, quando foi aprovado.
Contudo, o acesso ao porte de arma ainda apresentará empecilhos, garante o professor. Existem diversos fatores que indicam que o acesso ao porte de arma não seja tão fácil assim. O fator econômico é um deles.
Para adquirir uma arma de fogo legalizada (comprada em loja com CNPJ e com a devida permissão administrativa de vender armas no país), deverá desembolsar no mínimo dois mil e quinhentos reais, dependendo do calibre, modelo e do fabricante da arma, segundo lojas especializadas. Se formos considerar o valor da salário-mínimo que é de menos mil reais já é motivo para restringir a compra.
Outro ponto a ser levantado, segundo o delegado titular é a necessidade de avaliação psicológica e prática de cursos de manutenção e utilização de armas de fogo. Para ele, a avaliação psicológica periódica também é fundamental para saber se o portador ainda será capaz de manter uma arma de fogo ao seu alcance.
Números
Pesquisa Datafolha, divulgada na última segunda-feira (14), apontou que, em dezembro, 61% dos brasileiros eram favoráveis que a posse de arma fosse proibida no país. Em outubro do ano passado, essa parcela era de 55% dos entrevistados pelo instituto. No mesmo intervalo, os defensores da posse de arma caíram de 41% para 37%.
Critérios para o cidadão ter uma arma em casa
- Ser maior de 25 anos
- Ter ocupação lícita
- Ter residência certa
- Não ter sido condenado ou responder a inquérito ou processo criminal
- Comprovar a capacidade técnica e psicológica para o uso do equipamento
- Declarar a efetiva necessidade da arma.
“Se o marginal quiser comprar um fuzil, ele compra no mercado negro. Não tem nenhuma loja no Brasil que venda um AR-15, e toda semana se apreende 20, 30 ARs-15 no Rio de Janeiro. Como se tem AK-47 se nenhuma loja no Brasil vende? Isso é porque o bandido não costuma comprar arma em loja. O Desarmamento só desarmou a população civil, não desarmou o crime organizado.” – delegado João da Cunha Neto
Comércio crescente
Apesar dos limites atuais, cerca de seis armas de fogo são vendidas por hora no mercado civil nacional, segundo dados do Exército obtidos via lei de acesso à informação pelo Instituto Sou da Paz.
No ano passado, até 22 de agosto, haviam sido vendidas 34.731 armas no total. Além das vendas recentes, o número de novas licenças para pessoas físicas, concedidas pela Polícia Federal, tem crescido consistentemente nos últimos anos.
O número de novos registros para colecionadores, caçadores e atiradores desportivos, dados pelo Exército, também subiu e quase quadruplicou. Em 2012, foram 27.549 e, em 2017, 57.886. No total, hoje, são mais de meio milhão de armas nas mãos de civis: 619.604.
Em Lages, duas lojas têm autorização para comercializar armas de fogo. Na Ki-Bola, segundo o gerente Helton Souza, nos últimos anos, as vendas aumentaram em 30%. Ainda conforme ele, 83 catarinenses civis, atualmente, têm porte de arma segundo dado da PF.
“A procura para legalizar armas aumentou e a aquisição também, em média 30%”, disse ele. Na loja, as armas longas são as mais procuradas. Isso porque se destinam à caça de javali. “Compram também para defesa pistola e revólver”, completa.
O que diz a PF
O agente da Polícia Federal em Lages, Renato Faraco, responsável pelo Sistema Nacional de Armas (Sinarm) disse, na tarde de ontem (15), ser prematuro fazer qualquer avaliação, pois as informações são extra-oficiais.
A corporação tem conhecimento do texto divulgado, mas espera a publicação no Diário Oficial da União para emitir opinião. “São previsões e até a publicação podem ser alteradas pela própria equipe que elaborou o decreto”, explica ao destacar que após a publicação, a PF deve elaborar uma instrução normativa para estabelecer os novos procedimentos.
Você é a favor do porte de arma para o civil?
Não. O uso de armas gera violência. Qualquer incidente um sai matando o outro, a exemplo de brigas no trânsito – Simone Alves, artesã
Sou a favor. Porque tem restrição na Lei. A bandidagem está bem grande. – Dari Dickel, sorveteiro
Não. Deus não quer que matemos e estamos a serviço Dele. Somos todos irmãos. – Iracema Costa, zeladora
A favor. Precisamos de arma para nos defendermos. E protegermos a família e o patrimônio. – Ilda Goter Alcântara Thaide, aposentada
A favor. Precisamos de armas para a defesa da família e o patrimônio. Os bandidos estão bem armados. – Edilson Ribeiro Pinheiro, aposentado