Geral
Engenheira lageana: ‘O banco da escola era o meu lugar mágico’
Filha de alemão, a lageana, Conradine Taggesell, sofreu todas as agruras de ser descendente ariana em plena 2ª Guerra Mundial quando o Brasil declarou guerra contra a Alemanha Nazista de Adolf Hitler. Atualmente com 79 anos já passou por dois casamentos, perdeu dois filhos e luta contra um câncer. É confiante e espiritualizada. Continua à frente do seu tempo, como quando lá na metade do século XX se formou a primeira engenheira civil de Santa Catarina.
Correio Lageano: Seu pai era um engenheiro alemão?
Conradine Taggesell: Meu pai chegou ao Brasil em 1924, com 23 anos de idade. A 1ª Guerra Mundial foi de 1914 a 1918, portanto, nesse período estava ele ainda na Alemanha.
CL: Em Lages, sofreu preconceito durante a 2ª Guerra Mundial: (1939 a 1945)? Seu pai chegou a ser preso no “Campo de Concentração da Trindade” em Florianópolis, no ano de 1942?
Conradine: A perseguição aos imigrantes alemães, particularmente em Santa Catarina foi cruel e arbitrária e a pessoa dele não escapou à regra, pelo contrário, foi bastante visado por ser referência entre seus patrícios. Esteve no presídio da Trindade e após 14 longos meses de detenção, foi absolvido por falta de provas.
CL: Seu pai foi seu herói? Qual a importância de ter um pai que incentiva uma menina aos estudos e ter uma profissão?
Conradine: Apesar da afinidade com minha mãe, não tinha a menor inclinação pelos serviços domésticos. O que eu gostava mesmo era de estudar. O banco da escola era o meu lugar mágico. Meu pai sempre compreendeu e acatou este meu lado, além de que me apoiava e me incentivava.
CL: Em 1952 fez vestibular e passou na Escola de Engenharia da UFPR. Hoje existe no prédio antigo da Federal, da Praça Santos de Andrade, um memorial com o nome dos engenheiros que ali se formaram. Seu nome está lá. O que representa ser a primeira engenheira catarinense?
Conradine: Não tenho vaidade quanto a isso. Meu sentimento é de alegria, gratificação, e gratidão a Deus e aos meus pais.
CL: Como foi a sua escolha pela engenharia, era o que queria?
Conradine: Eu me sentia atraída pela medicina, pois o assunto “cura” sempre me interessou. Minha mãe, todavia, se opôs terminantemente a essa escolha, por achar que o meu perfil de pessoa muito sensível não seria compatível com a profissão de médica. Assim, acabei “caindo” na engenharia, não só por gostar de física e matemática, mas porque o desafio do difícil me provocava, sentia também que era um prazer e uma honra seguir na trilha de meu pai.
CL: A senhora gosta de outras coisas além da matemática. Cantou música erudita, ópera, regeu e foi solista de coral e declamava poesia. E ainda foi campeã de salto em altura. Gostava de costurar, ensinava português e matemática. Poderia ter ficado em alguma dessas áreas?
Conradine: No decurso de minha vida, gostei de muitas coisas, de esportes, de música, mas minha prioridade era o curso que eu escolhera e posteriormente o trabalho profissional. O gosto pela música é de berço, foi cultivado em casa pela influência de meu pai que possuía especial talento nesta área.
CL: Como foi sua infância?
Conradine: As lembranças mais fortes que ficaram da minha infância e adolescência, são bem tristes, e turvadas pelo que sofremos com a Segunda Guerra Mundial.
CL: Ao que se refere ao preconceito para com a mulheres, se agora ainda há queixas, como era nos anos de 1950?
Conradine: Atravessamos séculos de cultura machista; além de outros tipos de preconceito. Creio, todavia que a minha postura pessoal, tanto na faculdade quanto na vida pessoal repercutiu positivamente, visto que jamais fui vítima de preconceito.
CL: Por que há poucas mulheres na engenharia?
Conradine: Hoje é comum mulheres em cursos de engenharia. Comparativamente ao número de homens, são ainda minoria. Mas há muitas. O mais importante no meu ponto de vista é que a mulher expresse a sua totalidade, algo que sempre possuiu e que não foi percebida, visto que as culturas vigentes a sufocaram.
CL: A senhora trabalhou 30 anos na Rede Ferroviária Federal, teve também uma firma de construção civil…
Conradine: Trabalhei 30 anos na Rede Ferroviária Federal, em cargos administrativos: atividades diferentes em períodos diferentes, mas todas as “fases” foram ótimas e me deram um leque de experiência muito rico. Fui muito feliz ali, tenho saudades da Empresa e do tempo em que permaneci nela. Tive temporariamente minha própria firma de engenharia (construção de casas). Todavia o excesso de encargos tornou-se estressante para mim e tive que abdicar desta última.
CL: Durante algum tempo foi responsável pelo Coral Ferroviário, Trem da Cultura e o Museu Ferroviário, como foi essa experiência?
Conradine: Já nos últimos anos, a par das minhas funções profissionais fiquei encarregada do Museu Ferroviário, do Trem da Cultura e do Coral da Empresa, onde além de solista fui Presidente da Comissão que geria este último. Estas atividades me deram um prazer especial, visto seu aspecto nitidamente cultural que tanto aprecio.
CL: Com quase 80 anos e uma vida cheia de conquista, também há perdas. Como superou a morte de seus filhos e o câncer?
Conradine: Quanto aos meus filhos, as perdas e separações são acontecimentos traumáticos, pelo qual todos passamos, pois fazem parte da vida. Acredito que somos seres espirituais vivendo uma experiência humana. Somos energia pura e a energia é indestrutível, por isso vamos viver para sempre. Para mim a morte é apenas um instantâneo do processo da vida! Tenho todo carinho do mundo pelas minhas irmãs, considero a família a coisa mais importante que temos. Agradeço a Deus pelo privilégio de ter me escolhido para ser mãe de dois seres tão especiais como Cibélia e Guilherme.
CL: Hoje se sente sozinha? Como é a sua vida?
Conradine: Existe diferença entre estar só e ser solitária. Faço uma interação muito grande com as pessoas e me envolvo em atividades que me dão prazer, portanto num universo interior rico não há espaço para solidão.