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Autoexame é ineficaz na redução da mortalidade por câncer de mama

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Sandra sempre esteve em dia com as consultas e exames médicos - Foto: Núbia Garcia

Em todo o Brasil, há mais de 15 anos, outubro é um mês dedicado à conscientização sobre o câncer de mama, que é considerado a causa mais frequente de morte por câncer em mulheres.

Desde a década de 1990, o autoexame tem sido muito difundido como forma de identificar nódulos, porém, com o passar dos anos, estudos apontaram que ele é ineficaz para reduzir a mortalidade por câncer de mama e pode até atrapalhar o diagnóstico precoce, por isso, diversas sociedades médicas já não recomendam a prática.

Uma pesquisa divulgada recentemente pela farmacêutica Pfizer, em parceria com o Ibope Inteligência, apontou que ainda existe muito desconhecimento sobre medidas preventivas e fatores de risco para a doença.

A pesquisa “Câncer de mama hoje – como o Brasil enxerga a paciente e sua doença”, descobriu que a população ignora medidas importantes para a detecção precoce do tumor (com as recomendações oficiais para realizar a mamografia) e supervaloriza o autoexame.

Um levantamento online feito com duas mil pessoas, de diferentes regiões do país, apontou que 77% das mulheres entrevistadas confiam mais no autoexame, desconsiderando o fato de que alguns nódulos, quando palpáveis, podem indicar tumores já avançados. Além disso, 52% das entrevistadas ignoram a importância da mamografia como exame de rotina, pois não estão convictas de que o exame deve ser feito periodicamente.

O mastologista Fernando Vequi Martins acredita que o autoexame até pode ser feito, mas deve ser apenas um complemento, pois é necessário que toda mulher faça acompanhamento médico periódico, independentemente da sua faixa etária. Segundo ele, a Sociedade Brasileira de Mastologia e outras sociedades médicas pelo mundo têm cautela ao incentivar o autoexame.

Contudo, ele ressalta que no Brasil o autoexame acabou por se transformar em um método substitutivo, fazendo com que muitas mulheres não procurem seus médicos com regularidade, uma vez que não sentem dores nem anormalidades em seu corpo. Segundo Martins, devido a prática equivocada do autoexame, desde a década de 1990 aumentou o número de diagnósticos de cânceres de mama avançados.

“Pelo autoexame a mulher tende a identificar nódulos do câncer com dois centímetros. Um mastologista que tem habilidade, pode identificar nódulos palpáveis com um centímetro, e os exames preventivos, especialmente a mamografia, tendem a identificar cânceres inferiores a um centímetro, na fase em que eles ainda não são palpáveis. Por isso que o autoexame deve ser apenas um complemento.”

Além de atrasar o diagnóstico, devido à falta de conhecimento da população em geral, o autoexame pode gerar o que os médicos chamam de “falso positivo”. Por exemplo, uma mulher jovem pode confundir uma retenção mamária ou alguma alteração benigna com um nódulo de câncer, criando um pânico desnecessário.

“As pacientes, por não terem discernimento do que é um nódulo de câncer ou não, via de regra, acabam acreditando até mesmo ter sintomas. Diariamente, na rede pública e na rede privada, mastologistas atendem pacientes que têm certeza que apalparam um caroço, mas quando fazemos o exame clínico facilmente descartamos”, explica.

Acompanhamento médico é fundamental

A ginecologista Tatyana Stenger complementa, explicando que pacientes mais jovens geralmente têm um padrão de mama mais nodular. “Quando ela se toca, a impressão é que tá tocando um saco cheio de bolinhas de gude. Se apalpar perto da menstruação, vai sentir dor e vai encontrar mais fácil as nodulações, que são apenas glândulas mamárias. Como não tem conhecimento suficiente, essa mulher acaba procurando um médico desnecessariamente.”

Ela destaca que autoexame sem acompanhamento médico para mulheres com mais de 40 anos, pode significar outro tipo de risco. Stenger explica que, como as mamas se tornam mais gordurosas a partir desta idade, a identificação de nódulos é mais difícil.

“Isso afasta a mulher de um diagnóstico precoce. A partir dos 40 anos toda mulher precisa realizar a mamografia anualmente, conforme sugestão da Sociedade Brasileira de Mastologia, ou, no máximo, a cada dois anos a partir dos 50 anos, conforme sugere o Ministério da Saúde.”

Para Stenger, o autoexame deve ser uma forma de reconhecimento do próprio corpo. Assim, qualquer pessoa que tem o hábito de tocar a si mesma e conhece seu corpo (mamas, pele, genital, dentes, etc.), tem facilidade de identificar qualquer alteração anormal.

Sandra conhece muito bem o seu corpo

Foi justamente por conhecer muito bem o próprio corpo que a dona de casa Sandra Maria Boufleur, 61 anos, identificou que algo não estava certo. No último dia de 2018, ela se preparava para passar a virada com a família e, na hora do banho, sentiu algo estranho no seio esquerdo. Como estava com seus exames e as visitas médicas em dia, e faria um check-up no dia 4 de janeiro, ela não se assustou de pronto.

Foi em meados de janeiro de 2019 que Sandra confirmou a suspeita: o caroço no seio era um câncer do mesmo tipo que, dois anos antes, venceu uma batalha contra a sua irmã do meio. A diferença entre a doença delas é que o câncer da irmã não era palpável e só foi descoberto quando já estava em estágio avançado e com metástases pelo corpo, o que dificultou seu tratamento.

“Mas não sou de me desesperar e acredito que tenho que viver um dia de cada vez. Quando recebi o diagnóstico pensei ‘eu tô bem, isso não é nada’”, conta Sandra, que esbanja sorrisos e muita confiança. Segundo ela, o diagnóstico, apesar de desestabilizar a família – que ficou muito preocupada com a matriarca, não abalou seu início de ano, tampouco as férias em família.

Em tratamento desde então, Sandra conta que não se sentiu afetada emocionalmente em nenhum momento, surpreendendo familiares e até mesmo os profissionais de saúde que acompanham seu caso.

Desde janeiro ela já passou por 16 sessões de quimioterapia, fez mastectomia parcial há pouco mais de um mês e, agora, usa de toda a sua disposição e força de vontade para se preparar para a última batalha contra o câncer de mama: as sessões de radioterapia. “O câncer veio passear, mas daqui a pouco ele está saindo e vai embora porque ele não me pertence. É a melhor forma de encarar tudo isso”, completa.

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