Roma, 25 de maio (EFE).– A carta que Alice Waters escreveu ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para fomentar a "educação do paladar" é apenas mais um capítulo da saga que essa chef, dona de uma das melhores cozinhas da Califórnia, empreendeu há décadas para cultivar a paixão pela comida.
"Disse a ele que plantar uma horta e ensinar o país a se preocupar com a agricultura, biodiversidade e saúde das pessoas seria uma mensagem magnífica por parte da Casa Branca", explica Waters em entrevista à Agência Efe, em Roma, onde participou da Semana da Biodiversidade.
Como consequência ou não daquela carta, a primeira-dama americana, Michelle Obama, decidiu plantar uma horta ecológica com a ajuda de estudantes, uma atividade que, segundo Waters, significou o ressurgimento de um modelo de agricultura para o qual, "até então, o país não estava preparado".
Quase 15 anos atrás, em 1995, Waters ousou pela primeira vez enviar uma mensagem a Washington, com uma carta dirigida ao então presidente Bill Clinton, na qual escreveu: "Ajude-nos a alimentar nossas crianças e devolva-as à mesa, que é onde se reúnem nossos mais humanos valores".
"Ajude-nos a criar uma demanda para a agricultura sustentável, pois é a chave para sustentar a vida de todos. Fale sobre isso, promova o assunto nos programas escolares", acrescentava Waters. O projeto podia até parecer uma ilusão nos Estados Unidos, país que, junto à China, lidera os índices de poluição e "onde as raízes dos alimentos não são tão fortes como em outros países", ressalta Waters. Além disso, uma em cada três crianças americanas sofre excesso de peso e uma em cada seis é obesa.
Mas, em 1996, Waters decidiu plantar um jardim de hortaliças em uma escola da Califórnia, em seu programa "The Edible Schoolyard", que envolve as crianças em todo o ciclo de produção de alimentos, desde a horticultura até a preparação final dos pratos.
"É preciso uma reviravolta no sistema gastronômico atual", destaca Waters, de 66 anos, amante da cozinha mediterrânea e indiana. Ela é considerada uma das chefs mais influentes dos Estados Unidos e a principal responsável pelas delícias do "Chez Panisse", o restaurante mais famoso da cidade californiana de Berkeley.
Waters é também autora de oito livros sobre culinária e vice-presidente da Slow Food International, uma organização sem fins lucrativos fundada Itália para promover a tradição culinária local e da qual fazem parte 130 países.
Ela se declara otimista e se empenha em transmitir, entre os ritmos vertiginosos da sociedade global, que "a comida é algo precioso" e que, tendo os ingredientes necessários, "cozinhar é um processo rápido".
"Temos de saber o que podemos plantar, onde vivemos e fazer com que a biodiversidade nutra a gastronomia. Temos de prestar atenção ao que compramos e nos dar conta do prazer que é conectar-se com as pessoas que produzem nossa comida", sustenta essa 'guru' das delícias que, assegura, "nunca" cozinha somente para ela.
Talvez nesse pequeno detalhe se resuma sua ideia de gastronomia, concebida como uma atividade cultural e social na qual "o trabalho não deve recair em uma só pessoa". Sua particular definição de biodiversidade tem como base "se alimentar de comida deliciosa cuidando da agricultura e das futuras gerações".
"Acho que é necessária uma definição internacional de alimentos e que as pessoas tem de comer alimentos reais, não fictícios", argumenta Waters.
Faz tempo que essa filosofia entrou totalmente na Casa Branca, cuja cozinha está nas mãos de Sam Kaas, um jovem chef de 29 anos que faz parte do clã de Alice Waters e que, além de moldar os hábitos culinários dos Obama, é um de seus assessores em políticas de nutrição.
Foto: Agência EFE