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Al Neto: entre o mito e a história
Colaboração Fabiano Garcia (Programa de Pós-Graduação em História – PPGH)
É possível considerar que quando o escritor Licurgo Costa esboçou o perfil histórico do tropeiro lageano na obra Continente das Lagens (1982), definindo que, apesar da vida rude, isolada, “poderia ter hábitos de finura, de cavalheirismo”, estava, na verdade, pensando em seu contemporâneo Afonso Alberto Ribeiro Neto (Al Neto).
Fundador do Movimento Tradicionalista Catarinense nos anos 1980, presidente da Associação Rural de Lages nos anos 1960, Al Neto foi sempre considerado uma figura emblemática pelos hábitos extravagantes e aristocráticos, conforme os registros ainda presentes na memória local.
No entanto, além da vida engajada na pecuária, em Lages, onde investiu em melhorias genéticas (o que comprova que a pecuária nunca deixou de ser rentável, após o ciclo da madeira, mas se tornou atividade especializada), Al Neto teve um passado, no mínimo, curioso.
Além de ter cursado Direito no Rio de Janeiro, Filosofia em Buenos Aires e, entre outras coisas, ter frequentado uma Escola de Jornalismo nos Estados Unidos (Missouri), o filho do primeiro médico lageano formado (Valmor Ribeiro) foi repórter de notícias, correspondente da United Press e associado à rádio BBC de Londres, tendo acumulado experiência em grandes centros urbanos da América e na Europa, algo bastante raro para um catarinense de sua época. Seu programa radiofônico “Nos Bastidores do mundo”, diga-se de passagem, tornou-se um fenômeno no país na década de 1950.
No entanto, o que pesquisadores vêm apontando, mais recentemente, difere de forma substancial do mito construído em torno da figura de Al Neto. Pesquisas históricas revelaram, alguns anos atrás, seu vínculo e articulações, no Brasil, após ter prestado serviços de rádio junto ao USIS (United States Information Service).
Conforme as análises de documentos das agências norte-americanas, agora disponíveis aos historiadores em geral, Al Neto participou profissionalmente de um amplo movimento coordenado para a construção ideológica da boa imagem dos Estados Unidos no Brasil e na América Latina, o que derivou em programas como “Comentários de Al Neto” e “Nos bastidores do mundo”.
A ação, custeada pela United States Information Agency (USIA) (no montante de 5 mil dólares mensais, pagos a Assis Chateauriand), bancava a produção dos programas dentre os quais Al Neto foi um dos protagonistas. O valor também cobria os gastos para divulgação em cidades fora do Rio de Janeiro, como Belo Horizonte, Porto Alegre e São Paulo. Esses contratos seguiram, pelo menos, ao longo da década de 1950.
Sem nunca mencionar seu vínculo com a USIA, Al Neto era incumbido de divulgar variedades, curiosidades e opiniões pró-americanas, e não raro, anticomunistas. Pelo menos é o que sugere um relatório interno da agência, datado de 1957. Segundo o mesmo relatório, o programa de Al Neto era diário, com duração de 5 minutos e distribuído em discos a 35 estações ao redor do país. “Os roteiros também eram usados por cerca de 300 estações, lidos pelos locutores locais”, dentre os quais, muitos foram reproduzidos pela Rádio Clube de Lages.
Para quem tiver mais curiosidade, as informações estão agora disponíveis nos livros A atuação política da agência de informação dos Estados Unidos no Brasil (1953-1964). (UNESP, 2015) e O Amigo americano: Nelson Rockefeller e o Brasil (Cia. das Letras, 2014), de Fernando Santomauro e Antonio Pedro Tota, respectivamente.