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A Espanha pagou pela inoperância: Akinfeev pegou dois pênaltis e pôs a Rússia nas quartas pela primeira vez pós-URSS
Todos já sabem como a Espanha joga, ao menos desde a Copa de 2010. Hoje, 1114 passes trocados, 79% de posse de bola. No Estádio Olímpico de Luzhniki, os campeões mundiais eram favoritos diante da Rússia, mas o futebol é do imponderável, e mostra que favoritismo não ganha jogo. O que dá a vitória é aplicação, marcação e esforço. Pois bem: a Rússia se fechou completamente, e iria tentar o contra-ataque, sabendo das suas limitações.
A Fúria, por sua vez, não foi furiosa. Não agrediu a defesa dos anfitriões. Faltou ambição. A não ser Isco, que tentou o pouco que os ibéricos criaram, o time todo foi previsível. Decepciona bastante ao sair já nas oitavas, ainda sob os reflexos da queda na primeira fase em 2014.
E a Rússia não tem nada com isso. Consegue usar o fervor da torcida ao seu favor. Dá o suor para passar, e tem no questionado Igor Akinfeev a figura salvadora. Ele defendeu duas cobranças: a de Koke com as mãos, e a de Aspas com o pé esquerdo. Assim, pela primeira vez desde a União Soviética, o time está nas quartas de final. Enfrenta o vencedor do duelo entre Croácia e Dinamarca.
Os times
A Espanha passou de fase, mas o caminho não foi tão simples quanto se esperava. Na última partida da fase de grupos, por exemplo, a Fúria sofreu para conseguir o empate contra o Marrocos. Teve uma série de erros defensivos — incluindo a confusão entre Sergio Ramos e Iniesta, e quando foi à frente, precisou usar um repertório grande de suas alternativas. Assim, Fernando Hierro fez suas trocas na escalação inicial para as oitavas.
Optou por um 4–3–3 onde os espaços dos pontas eram ocupados por meias. David De Gea seguiu no gol, referendado pela ótimo temporada no Manchester United e pela segurança que oferece sob as traves. No miolo da defesa, a dupla, digamos, tradicional, Sergio Ramos e Gerard Piqué. Pelas laterais, Jordi Alba e Nacho, já que Carvajal, voltando de lesão, não tinha as condições ideais.
Mais adiante, na faixa central do gramado, Sergio Busquets é a base de sustentação defensiva como o termômetro do time. Koke era quem retornava ao setor, com Andrés Iniesta poupado. Além da formação na prancheta, Isco aparecia centralizado na criação e também flutuava caindo pelas pontas.
Dos lados, alternando a movimentação, estavam David Silva pela direita e Marco Asensio, promovido a titular, na esquerda. Centralizado no comando de ataque, Diego Costa. Com as alterações, Koke era uma renovação na recomposição sem perder poder de saída de bola, e Marco Asensio daria outra dinâmica, mais acelerada, no ataque.
Por sua vez, a Rússia começou a campanha de forma surpreendente na fase de grupos, e perdeu o primeiro posto para o Uruguai no confronto direto na última rodada. O desafio era grande: pegar a Espanha com o futebol de posse de bola.
Então, Stanislav Cherchesov escolhia se fechar. Igor Akinfeev era mantido à meta, e a novidade era a muralha à sua frente. Três zagueiros: Fedor Kudriashov, Sergei Ignashevich e Ilya Kutepov. Os laterais, mais presos ao sistema defensivo, eram os titulares: Yury Zhirkov e Mário Fernandes.
Mais à frente, uma trinca pelo meio: Roman Zobnin, que atuou na contenção também durante as partidas da fase de grupos, Daler Kuziaev, com mais aptidões defensivas, e Alexander Samedov, candidato a estar mais avançado nas jogadas de ataque. Aleksandr Golovin flutuava entre o meio e o campo de ataque, com Artem Dzyuba no comando de ataque.
O jogo
A escalação russa entregava quais seriam as propostas de jogo. Se a pressão nos primeiros minutos já é comum em partidas com um nível de tensão mais baixo, o embate era mais um daqueles em que a Espanha enfrenta uma parede formada por duas linhas de cinco defensores e quatro na faixa central de campo. A Rússia pretendia se fechar e tentar conseguir algum lance de perigo no contra-ataque, mas parando os ataques da Fúria com falta criava situações aos adversários.
Assim, aos 11, os comandados de Hierro abriram o placar. Nacho subiu ao ataque e Yury Zhirkov fez a falta pela lateral da área. Marco Asensio levantou na segunda trave, em direção a Sergio Ramos. O zagueiro Sergei Ignashevich disputava a jogada e tentou derrubar o adversário. Levou azar: a bola acabou desviando no seu calcanhar e indo ao gol no contrapé de Igor Akinfeev.
Abrir o placar logo no início de partida é tudo que qualquer seleção poderia querer em uma Copa do Mundo. Assim, instantaneamente, a pressão recai sobre o outro lado. Então, depois do tento contra, Isco, David Silva e Asensio se movimentavam e a costumeira troca de passes tomava forma, enquanto os soviéticos fechavam os espaços, dificultando a entrada do ataque. Nos 25 primeiros minutos, esse quadro era entregue pela posse de bola: 75% para os espanhóis. Uma das tônicas das partidas dos ibéricos, sem qualquer objetividade.
Bola para lá, bola para cá e a Espanha tornava o jogo sonolento, à frente no placar sem chutar sequer uma vez o gol. A Rússia, quando ia à frente, ameaçava. Foi assim quando Golovin, mesmo marcado, conseguiu o cruzamento para Zobnin dentro da área.
A defesa afastou e o próprio camisa 17 pegou o rebote. Da entrada da área, arriscou o arremate colocado, de curva, e mandou à esquerda do gol de De Gea. A Espanha era pouquíssimo objetiva e foi punida pela passividade.
Isso porque depois do cruzamento para a área, Dzyuba subiu para cabecear. Piqué estava na marcação, mas ergueu o braço e impediu a passagem da bola. Pênalti para a Rússia: O próprio Dzyuba foi à marca da cal e mandou no canto esquerdo.
De Gea caiu para o outro lado e o empate veio: 1 a 1 aos 40 minutos. No fim dos acréscimos, os espanhóis começaram a chegar: Isco foi bloqueado pela zaga e Diego Costa conseguiu um cabeceio que Akinfeev defendeu sem problemas. Seria a deixa para, finalmente, haver alguma emoção no jogo. Porque nos primeiros 45 minutos, houve pouquíssimo futebol.
Na volta para a segunda etapa, Stanislav Cherchesov tirou Yury Zhirkov, contundido, e optou por mandar a campo Vladimir Granat. Ele vinha ao jogo na zaga, com Kudryashov deslocado à lateral esquerda. Nos quinze primeiros minutos, a Rússia tentava estocadas ao ataque, mas não passava pela marcação. Na Espanha, pouco mudou. Então, o comandante russo fez mais duas trocas, mais ousadas. Tirou Samedov e Dzyuba e mandou ao gramado Denis Cheryshev e Fedor Smolov. Perdia na bola aérea, mas ganhava em técnica.
Na Espanha, Hierro precisou tirar Nacho, contundido, para promover o retorno de Carvajal ao time. Também tirou David Silva e, com Iniesta no gramado, tentava produzir algo. A troca de passes seguiu. Meia hora sem uma jogada individual, infiltração ou um passe mais arriscado: A Fúria não era a Fúria porque atuava de forma extremamente burocrática.
Com a Rússia já sentindo o cansaço no fim do tempo regulamentar, finalmente, foi de Iniesta um dos chutes espanhóis. Alba foi ao fundo e bateu para o meio da área. Iago Aspas, que entrou em campo na vaga de Diego Costa, conseguiu escorar para trás. O camisa 6 bateu de peito de pé, de fora, mas Akinfeev caiu bem para espalmar. No rebote, Aspas bateu sem ângulo e o arqueiro russo salvou novamente. Assim, mais meia hora de prorrogação.
A prorrogação
O panorama da partida não mudou. Nem a tensão dos minutos do tempo extra pareciam alterar a ideia de espanhóis e russos. Aos seis minutos, um chute de Koke, por cima. E Isco era quem mais aparecia, chamando o jogo para si pelo lado esquerdo. O jogo começou a ficar um pouco mais aberto, mas os espanhóis seguiam parando na marcação — centralizavam as jogadas, e a porta estava fechada.
O cansaço das duas equipes era claro. E, diga-se, o momento mais marcante da prorrogação foi a histórica primeira vez em que foi feita a quarta substituição: Na Rússia, Kuziaev saiu, e Alexandr Erokhin marcou seu nome nos registros futebolísticos.
Asensio até tentou um chute da entrada da área, que Akinfeev apenas abafou, e então o camisa 20 deixou o campo. Piqué também cabeceou uma falta na grande área nas mãos do arqueiro russo. Hierro colocou Rodrigo para dentro da área russa. A questão era a baixa rotação espanhola.
Rodrigo foi o primeiro a arriscar algo diferente. Provavelmente a chance mais clara da Espanha na partida. Rodrigo recebeu o passe rasteiro pela direita e deu um bonito drible de corpo, pedalou pra cima da marcação, foi ao fundo e tentou o chute. Akinfeev foi bem para a defesa e espalmou para frente. Carvajal estava pelo meio e perdeu o equilíbrio na hora do chute, travado por Kutepov.
Aos 10 minutos da segunda etapa do tempo extra, bola na área Russa e, no agarra-agarra, Ignashevich derrubou Piqué. O juiz pediu revisão de vídeo, mas nada marcou. E num erro da defesa, Rodrigo pegou a bola pelo meio e arriscou o chute. Akinfeev ficou com a bola, já no minuto final de acréscimos. A torcida russa estava inflamada: a Rússia garantia a decisão por pênaltis contra a Espanha, torcendo pelo imponderável trazido pela marca da cal.
Os pênaltis
A Espanha iniciou as cobranças. Iniesta deslocou Akinfeev e assinalou a primeira. Smolov bateu à direita de De Gea e o arqueiro quase defendeu, triscando na bola, que foi para as redes. Piqué retomou a vantagem, com a cobrança batendo na trave antes de entrar. Ignashevich diminuiu a passada e também converteu, empatando: 2 a 2. Koke cobrou mal demais, à meia altura, nas mãos de Akinfeev, e Golovin deu a vantagem à Rússia cobrando embaixo de De Gea.
Sergio Ramos diminuiu a corrida, deslocou Akinfeev e mandou a sua cobrança às redes. Cheryshev mandou no meio e marcou para os donos da casa. Aspas foi para a última cobrança e, de perna esquerda, parou no pé esquerdo de Akinfeev. 4 a 3 para os anfitriões. E vaga assegurada nas quartas de final
O cara da partida
Igor Akinfeev. Questionado pela falta de regularidade na última Copa, o goleiro Russo tinha a confiança do técnico Cherchesov. Contou com a colaboração e a aplicação da sua defesa e, quando foi exigido nas chegadas espanholas, se posicionou bem para evitar o perigo. Então, seu momento chegou: Depois de um 0 a 0 bem sem sal, pegou duas cobranças, de Koke e, com o pé, de Iago Aspas. A Rússia ganha moral para a fase seguinte.
O caminho das seleções: a queda e o próximo passo
O jogo mais animado do Grupo B com a Espanha em campo foi justamente o primeiro. A tripleta de Cristiano Ronaldo e os tentos dos espanhóis mostraram que a proposta de futebol espanhola seguia a mesma lógica: troca de passes incessante na tentativa de criar chances, sofrendo com a falta de objetividade.
Isso se confirmou nas outras partidas da Fúria. A insistência levou os comandados de Fernando Hierro a superar a marcação iraniana em um acaso, quando o zagueiro tentou afastar a bola e ela bateu na canela de Diego Costa antes de ir às redes.
Então, na última rodada, os ibéricos sofreram diante do Marrocos. Contra um time mais técnico e pouquíssima criatividade, Sergio Ramos e Iniesta se estranharam e os persas conseguiram a vantagem por duas vezes. Até que Iago Aspas arrancou o empate com o auxílio do VAR.
Já a Rússia foi surpreendente na sua campanha da primeira fase. No Grupo A junto com o favorito Uruguai, os soviéticos passaram por cima da Arábia Saudita na estreia, com um sonoro 5 a 0 e uma ótima atuação de Cheryshev.
Na segunda rodada, poderia ter tido problemas com o retorno de Mohamed Salah, mas ele não foi páreo: 3 a 1, e uma atuação sem tantas dificuldades. Na última partida, o primeiro grande desafio, com uma derrota acachapante, por 3 a 0 contra os Uruguaios.
Nas oitavas, o jogo de sempre: A Fúria trocava passes, muitos passes. Tinha o controle da partida contra uma defesa russa muito bem fechada. A Espanha só se coçou e conseguiu algo no fim da partida e na prorrogação, com Akinfeev aparecendo bem. Melhor ainda durante as cobranças de pênaltis, defendeu duas bolas e passou os anfitriões de fase diante dos campeões mundiais.
Como fica o chaveamento
Ficha Técnica
Espanha 1 (3) x (4) 1 Rússia
Local: Estádio Luzhniki, em Moscou
Árbitro: Bjorn Kuipers (Holanda)
Gols: Sergei Ignashevich, contra (ESP); Artem Dzyuba (RUS)
Cartões amarelos: Gerard Piqué (ESP)
Espanha: David De Gea; Nacho (Dani Carvajal), Sergio Ramos, Gerard Piqué e Jordi Alba; Sergio Busquets, Koke, Marco Asensio (Rodrigo), David Silva (Andrés Iniesta) e Isco; Diego Costa. Técnico: Fernando Hierro
Rússia: Igor Akinfeev; Ilya Kutepov, Sergei Ignashevich e Fedor Kudryashov; Mario Fernandes, Daler Kuzyaev (Aleksandr Erokhin), Roman Zobnin e Yuri Zhirkov (Vladimir Granat); Aleksandr Samedov (Denis Cheryshev), Aleksandr Golovin e Artem Dzyuba (Fedor Smolov). Técnico: Stanislav Cherchesov