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Estudo sobre risco de agrotóxicos ganha o mundo
Uma ampla pesquisa sobre análise de risco de agrotóxicos para a fauna do solo, desenvolvida por uma pesquisadora lageana, servirá de base para atualizar o guia de análise de risco para esses organismos da Europa – documento que existe desde 2002, e auxiliará na criação de diretrizes inéditas de regulação no Brasil.
Doutora em Ciências do Solo pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc/CAV) e em Biociências – Ecologia pela Universidade de Coimbra, a pesquisadora lageana Letícia Scopel Carniel tinha apenas 21 anos quando começou, durante seu mestrado, a desenvolver estudos para analisar os impactos que os agrotóxicos têm na fauna do solo, como colêmbolos e minhocas.
Agora, aos 27 anos, com a tese de doutorado recentemente defendida, ela vê seu trabalho ultrapassar fronteiras e, literalmente, ganhar o mundo. O doutorado, iniciado em 2015, foi feito simultaneamente com as duas universidades.
No CAV, em Lages, ela teve como orientador o professor Osmar Klauberg-Filho, em Portugal o mentor foi José Paulo Filipe Afonso de Sousa, que lhe abriu portas para desenvolver pesquisas e aperfeiçoar seu trabalho na Europa. Segundo Letícia, o estudo é inédito no Brasil e é a primeira análise que segue todas as etapas sugeridas pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) no mundo.
“Meu orientador em Coimbra me incluiu em um programa que acontece em parceria com a EFSA. Meus estudos contribuirão para a atualização do guia de risco de agrotóxicos para a fauna do solo, pois na Europa eles já têm diretrizes nessa área desde 1991, mas o guia para análise de risco de organismos da fauna foi criado em 2002 e já não corresponde à legislação atual.
Aqui no Brasil, serei consultora do Ibama na criação de um guia exclusivo para o país, pois, atualmente, por aqui ainda não avaliamos adequadamente o perigo dos agrotóxicos para esse grupo que é tão importante para o equilíbrio ambiental dos solos,” explica.
O doutorado ‘Sanduíche’ permitiu que Letícia tivesse acesso a diferentes espécies da fauna do solo, ampliando sua pesquisa, e também que participasse de um treinamento na Agência Ambiental Alemã, a Umweltbundesamt, que corresponde ao Ibama no Brasil.
O avançado estágio de suas pesquisas permitiu que ela participasse do 29º Encontro Anual da Sociedade de Ecotoxicologia e Química Ambiental da Europa, que aconteceu em Helsink, na Finlândia, no mês de maio.
“Graças a todas estas oportunidades de estudo, consegui um emprego em Portugal. Desde março, transformei minha tese de doutorado no meu trabalho diário. Sou pesquisadora de análise de risco de agrotóxicos para a fauna do solo em uma empresa privada de gestão ambiental,” conta.
Brasil não tem diretrizes
Quando se fala na utilização de agrotóxicos, Letícia explica que o Brasil tem diversas diretrizes no que tange aos pesticidas e seus benefícios à agricultura, e também referentes aos malefícios à saúde humana e de alguns animais. Contudo, o impacto que eles trazem para o ecossistema solo, como os riscos para minhocas, colêmbolos, ácaros e outros organismos ainda é desconhecido no país.
“Estes são organismos que prestam diversos serviços para a natureza, como a decomposição da matéria orgânica, a ciclagem dos nutrientes do solo que as plantas precisam, e muito mais. Se não começarmos logo a avaliar os danos que os pesticidas causam no solo, daqui alguns anos temos a possibilidade da perda de produtividade nas lavouras e a culpa vai ser nossa, por não termos avaliado isso suficientemente antes de comercializar esses produtos”, explica.
O projeto de doutorado foi desenvolvido com o apoio da equipe do laboratório de Ecologia do Solo do CAV/Udesc e aprimorado na Europa. “No estudo tentei estabelecer níveis de proteção para a fauna do solo. Ou seja, identificar quanto de pesticida fica no ambiente após sua aplicação e se essas concentrações são tóxicas pros organismos do solo em diferentes etapas de avaliação, de estudos em laboratório até estudos em equipamentos de semi-campo, que avaliam situações mais reais”, detalha.
Bolsas e suporte do Governo Federal
Letícia nasceu em Lages e cresceu no Bairro Ponte Grande – parte da periferia da cidade, e garante ter consciência de que, sem as bolsas estudantis que conseguiu ao longo de sua jornada acadêmica, não teria conseguido ampliar os conhecimentos, tampouco estaria trabalhando como pesquisadora em Portugal.
Formada em Biologia pela Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac), concluiu a graduação em 2012, com uma bolsa integral do Programa Universidade para Todos (Prouni). O mestrado também foi financiado por uma bolsa, desta vez, proveniente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), uma fundação vinculada ao Ministério da Educação. O doutorado também foi viabilizado pela Capes, que custeou os estudos no Brasil e, por meio do Programa Doutorado-Sanduíche no Exterior (PDSE), possibilitou parte das pesquisas no exterior.
“Infelizmente tive que dar adeus ao meu país por causa da situação atual de crise na área da educação e, principalmente, da pesquisa, com os cortes de recursos e tudo mais. Ainda assim, serei consultora do Ibama, porque, independentemente de onde eu more, quero continuar contribuindo com o desenvolvimento do meu país na minha área de atuação,” completa.