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Dezenas de pessoas e um sonho, voltar a enxergar bem

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No dia 11 de setembro, 50 pacientes de Lages foram atendidos no mutirão da Fundação Hospitalar Dr. José Athanázio - Fotos: Núbia Garcia

ra exatamente 5h10 da manhã de 11 de setembro quando o ônibus lotado de pacientes e seus acompanhantes saiu da frente da Secretaria de Saúde, em Lages, com destino a Fundação Hospitalar Dr. José Athanázio, em Campos Novos, para participar do mutirão de cataratas. Duas horas depois, o veículo estacionou em frente ao hospital e logo os pacientes já formaram uma fila para fazer seu cadastro e realizar o procedimento.

A maioria deles já sabia o que precisava fazer, pois um mês antes já haviam estado no mesmo local. Em agosto operaram um dos olhos e, em setembro, voltaram para a cirurgia do segundo olho ou apenas para consulta de retorno.

Os preparativos para a viagem iniciaram ainda mais cedo. Por volta das 4h30 da madrugada, um ônibus e um micro-ônibus já estavam estacionados em frente a secretaria aguardando os pacientes, que logo começaram a chegar.

Não demorou muito para que os funcionários da pasta – responsáveis pela viagem – acomodassem pacientes e seus acompanhantes. O total de pessoas foi suficiente para preencher somente o ônibus. Por isso, o micro-ônibus foi dispensado. Mais tarde, constatou-se que uma parte dos pacientes optou por ir até Campos Novos com condução própria, para agilizar o retorno.

O aposentado Luiz Rogério Saldanha, 74 anos, foi um dos que optou por viajar com carro próprio. Acompanhado do filho e da esposa, Saldanha foi um dos primeiros a chegar em Campos Novos. Por volta das 6h40 já estava no hospital, tinha apenas que fazer a consulta de retorno – havia passado por cirurgia em agosto, mas precisou aguardar a chegada do ônibus de pacientes para pegar o documento de autorização para o seu atendimento.

Dois anos antes, Saldanha havia operado o outro olho, em um mutirão realizado em Lages. O aposentado não aprovou o fato de precisar ir até outra cidade para operar o segundo olho. “É inadmissível ter que sair da minha cidade, quando a gente tem toda a condição de fazer lá. Eu já fiz uma [cirurgia lá] em Lages e correu tudo bem”, lamenta.

No dia da entrevista, Saldanha estava preocupado com a recuperação da sua visão, pois havia operado quase um mês antes e ainda estava enxergando com dificuldade. “Tô sentindo um pouco nublado, não sei se é normal, mas com a outra [vista] não foi assim. Com a outra foi bem rápido. Com 15 dias eu estava trabalhando, e agora não estou conseguindo”.

Na semana passada a reportagem contatou Saldanha parta saber como está sua recuperação. Ele contou que vai marcar nova consulta com oftalmologista, pois não está enxergando como esperava.

Em setembro, Saldanha fez apenas a consulta de retorno da cirurgia que realizou em agosto. O outro olho havia sido operado dois anos atrás, em outro mutirão, que aconteceu em Lages

Liliane esperou quatro meses pela cirurgia

A dona de casa Liliane Debetil Bueno, 64 anos, também optou por viajar de carro, com a família, assim poderia fazer a cirurgia e ir para casa, sem esperar por muito tempo. Chegou quase no mesmo horário que Saldanha e estava ansiosa para ser atendida. Ela ficou apenas quatro meses na fila de espera e em agosto operou um dos olhos. Em setembro voltou para operar o segundo. Procurada pela reportagem na semana passada, ela contou que ambas as cirurgias correram bem e que se recupera tranquilamente.

Porém, a dona de casa também se queixa por precisar se deslocar até outra cidade para fazer a cirurgia. “Eu acho que deveriam ter feito lá [em Lages] porque é uma cidade maior. É um incômodo a mais viajar, mas como é de graça [a cirurgia], pelo valor que a gente economiza, então compensa.”

O pedreiro Antônio Correa Branco, 61 anos, viajou com o ônibus da prefeitura, acompanhado da esposa. Operou um olho em agosto e outro em setembro, ambos nos mutirões realizados em Campos Novos. Ele conta que está se recuperando bem e que agora aguarda apenas a consulta de retorno.

A esposa de Branco também já foi operada de um olho para remoção da catarata. Segundo ele, há cerca de seis meses, depois de ficar por três anos na fila de espera, ela participou de um mutirão que aconteceu em Lages. Agora ela está na fila de espera para operar o segundo olho. “Eu acharia que se a cirurgia fosse em Lages era melhor, mas já que saiu pra cá [Campos Novos], viemos pra cá mesmo”, comenta Branco, em tom de conformidade.

Depois que todos os pacientes de Lages foram atendidos, pouco antes das 16 horas, o ônibus da prefeitura retornou para Lages, chegando na cidade por volta das 18 horas.

Liliane ficou apenas quatro meses na fila de espera. Em agosto operou um dos olhos e, em setembro, o outro

Este ano, mais de 900 pessoas já foram atendidas

Somente este ano, 917 pacientes de Lages foram atendidos em mutirões para realização de cirurgias de catarata, promovidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Desde 2017, o Governo do Estado libera verbas para realização do procedimento, os municípios cadastram sua fila de espera e os pacientes são atendidos nas cidades que ofertam o serviço ao Estado.

Entre janeiro e setembro de 2019, por meio destes convênios e também de emendas parlamentares específicas, os pacientes de Lages foram atendidos em mutirões que aconteceram em Caçador, Campos Novos e Santo Amaro da Imperatriz, além de Lages.

De acordo com a Secretaria da Saúde de Lages, em 2017 o tempo de espera por cirurgias de catarata era de seis anos. Contudo, desde quando o Estado passou a promover estes mutirões, a fila reduziu consideravelmente – e até já chegou a ser zerada. Atualmente, a lista de espera tem apenas 193 pessoas, e o tempo médio de espera tem sido de quatro meses.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a catarata é responsável por 47,8% dos casos de cegueira no mundo e acomete principalmente a população idosa. A doença é caracterizada pela opacidade do cristalino, que pode levar à diminuição e perda da visão. O diagnóstico é clínico, realizado por consulta oftalmológica, e o tratamento é cirúrgico.

O mutirão mais recente – que atendeu pacientes de Lages – aconteceu em Campos Novos, no Meio-oeste catarinense, no último 11 de setembro. Nesta data, 50 pacientes e seus acompanhantes se deslocaram até o município vizinho, onde passaram pelo procedimento cirúrgico. A reportagem do Correio Lageano acompanhou o dia deste grupo de pacientes que, em sua maioria, viajaram com transporte oferecido pela prefeitura.

Hospital quer se especializar em oftalmologia

A Fundação Hospitalar Dr. José Athanázio, local onde Saldanha, Liliane e Branco foram operados, começou a integrar o circuito de mutirões de catarata custeados pelo estado em agosto deste ano, quando realizou 119 cirurgias do gênero, atendendo pacientes não apenas de Lages, mas também de municípios da Serra, Meio-Oeste e Extremo-Oeste. Em setembro, a meta é encerrar o mês com 180 cirurgias realizadas. Os mutirões de catarata devem continuar a ser realizados em outubro, novembro e dezembro.

“Esses mutirões são parcerias com o Governo do Estado. Os municípios colocam os pacientes na fila de espera e depois encaminham para nós”, explica o diretor-geral do hospital, Edson Luiz Martins, ressaltando que sua meta é vocacionar o hospital para cirurgia em algumas especialidades (como oftalmologia, ortopedia, ginecologia e obstetrícia). Segundo ele, o objetivo, ao receber os mutirões, é transformar Campos Novos um centro regional de oftalmologia

Martins afirma que a equipe que realiza as cirurgias nos mutirões de catarata, formada por três médicos, é do interior de São Paulo, e vem para Santa Catarina oferecendo todos os equipamentos e insumos necessários para as operações. O hospital apenas sede a estrutura física (centro cirúrgico) e funcionários de apoio. “A gente encontrou essa equipe, que tá disposta a trabalhar pelos valores do SUS e vem fazer esses procedimentos aqui em Campos Novos”, ressalta.

Para diretor, valor pago pelo SUS dificulta a contratação 

O diretor de Regulação, Controle, Avaliação e Gestão da Informação da Secretaria da Saúde de Lages, Claiton Camargo, explica que as cidades de referência para Lages, geralmente, eram Blumenau, Criciúma, Florianópolis e Joinville. Contudo, desde quando o Estado aderiu aos mutirões de diversas especialidades em 2017, Santa Catarina passou a ter outros municípios (mesmo os menores e que não são referência estadual) como prestadores de serviços.

“A rede de hospitais menores começou a ter espaço para conseguir trabalhar e muitos profissionais buscam hoje esses hospitais pra oferecer serviço”, comenta, destacando que isso é positivo porque, apesar de gerar custos com transporte de pacientes, contribui para a diminuição das filas de espera por cirurgias em várias especialidades.

Claiton explica que os pacientes de Lages acabaram sendo encaminhados para mutirões em outros municípios, porque o serviço de mutirão, inclusive a oftalmológico, não é oferecido por alguns profissionais em Lages, devido ao valor pago pelo SUS. Contudo, ele destaca que o cenário está mudando e que os convênios com os médicos, clínicas e hospitais da cidade estão voltando a ser feitos.

Médico contesta informações e formato dos mutirões 

O vice-presidente da Sociedade Catarinense de Oftalmologia, Luiz Alberto Zago Filho, contesta a informação de que profissionais da área tenham se recusado a participar dos mutirões. Segundo ele, ao longo dos últimos 15 anos, oftalmologistas da cidade participaram de diversos mutirões feitos pelo SUS no município.

Zago demonstra preocupação com o formato dos mutirões, pois, segundo ele, operar dezenas de pacientes em um só dia, e realizar a cirurgia do segundo olho (nos casos em que há necessidade) sem que o primeiro esteja completamente recuperado, não é a melhor alternativa.

“Cada paciente tem uma particularidade. Um tem uma inflamação nos cílios que tem que ser tratada, o outro é diabético, o outro a pupila dilata pouco, o outro tem glaucoma… não somos iguais. São ‘N’ particularidades e individualidades que têm que ser respeitadas, é preciso saber o que tem na mão. A medicina não é no atacado.”

Sua sugestão é que os atendimentos sejam feitos de forma fracionada e sequencial, com mutirões menores (10 pacientes por dia, por exemplo), com maior intervalo para a cirurgia do segundo olho. “Não somos contra fazer a cirurgia via SUS. Tem que ser feito, as pessoas têm que ser atendidas, mas têm que ser atendidas de forma adequada”, completa.

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