Geral
Como é ter o poder de decidir sobre a vida de uma pessoa?
Já imaginou como é ter em suas mãos a responsabilidade de definir se uma pessoa é culpada ou inocente por cometer um crime? Mesmo que você não seja um advogado, promotor ou juiz, pode contribuir para este tipo de decisão.
Para isso, é preciso integrar um Conselho de Sentença de uma comarca e se tornar um jurado. Os jurados são cidadãos comuns que ajudam a definir o destino de pessoas acusadas de cometer crimes contra a vida (mesmo que não haja morte, apenas a tentativa).
Em um julgamento, especialmente os de grande repercussão pública, como o caso do jovem Gustavo Henrique Waltrick (acusado de matar a mãe e a irmã, em 2010) e da enfermeira Maharish Blue do Amaral e Silva (acusada pelo assassinato do ex-companheiro, em 2013), enquanto a imprensa e toda a sociedade anseiam por respostas e querem saber o que acontecerá com os réus, os jurados precisam ficar atentos a todos os detalhes do julgamento para ter subsídios e dar o veredicto sobre o caso: inocentar ou culpar, absolver ou condenar vai depender da percepção dos jurados ante os fatos.
Após o início do julgamento, os jurados ficam proibidos de manter qualquer contato com o mundo exterior. Eles não podem ler jornais, ouvir rádio, acessar a internet, assistir à televisão, telefonar ou receber ligações durante o julgamento, nem nos intervalos. Além disso, não podem sequer conversar entre si e, durante os depoimentos, sempre que tiverem dúvidas, devem se dirigir, exclusivamente, ao juiz.
É neste cenário de aparente tensão que os jurados precisam definir, com base nas provas apresentadas e na argumentação de defesa e acusação, se o réu é culpado ou inocente. Depois de pronunciado o veredito, os jurados são liberados, mas ainda têm algo a seguir: eles não podem falar publicamente sobre os casos julgados nem explicitar qual foi a sua posição diante dos fatos (se foram a favor ou contra a condenação ou absolvição).
Está na Constituição
A instituição do Tribunal do Júri está prevista na Constituição Federal do Brasil. É um dos órgãos do Poder Judiciário e julga somente os crimes dolosos, ou seja, quando há intenção de matar. O Código de Organização do Judiciário define quantas pessoas devem compor o Conselho de Sentença de cada comarca, levando em consideração o número de habitantes, o fluxo de processos e a frequência de ações penais de competência do júri, dentre outras variáveis. O Conselho de Sentença da Comarca de Lages pode ter um mínimo de 300 e um máximo de 800 jurados inscritos. Atualmente, conta com 400.
Deste banco de jurados, mensalmente, são sorteados 25 nomes que deverão se apresentar, obrigatoriamente, a todos os julgamentos do mês seguinte. Destes 25, a cada sessão, são sorteados sete nomes, que comporão a mesa de julgamento do dia. A cada sessão, defesa e acusação podem recusar a presença de até três jurados, sem justificativa. Nestes casos, o juiz deve sortear novos nomes dentre os presentes.
Anualmente, no mês de novembro, o juiz da comarca é responsável por revisar o banco de jurados, para retirar ou incluir nomes. A participação é voluntária e pode ser feita de duas formas: a pedido do cidadão, que se inscreve no conselho, ou por determinação do juiz, que tem poder de convocar um cidadão para que se torne um jurado. Um cidadão convocado e sorteado que não compareça aos julgamentos, pode receber multa e responder a um processo por desobediência, caso não apresente uma justificativa plausível.
Para ser jurado não há muitas exigências, basta ter idoneidade comprovada (sem antecedentes criminais, com boa conduta moral e social, e ser eleitor), ser maior de 18 anos e ser alfabetizado. Jurados têm direitos como cela especial (em caso de uma condenação), mesmo não tendo curso superior, e preferência em concursos públicos e licitações.
Decisão
Depois de apresentadas as provas, argumentos e contra-argumentos da acusação e defesa, e serem ouvidos todos os depoimentos e interrogatórios, é que começa o trabalho dos jurados. O juiz da 1ª Vara Criminal da Comarca de Lages, Geraldo Corrêa Bastos, explica que, diferentemente do que acontece nos filmes, onde os jurados se reúnem, conversam e apresentam um veredito ao juiz, no Brasil, a decisão é feita sem que os membros do Conselho de Sentença troquem uma palavra sequer, apenas por meio de votos depositados em uma urna.
Reunidos em uma sala secreta com o juiz, os jurados dão seus votos individualmente, a partir de questionamentos sobre os fatos apresentados. Essas perguntas são diretas e permitem apenas que as respostas sejam “sim” ou “não”, são elaboradas pelo próprio juiz, seguindo diretrizes do Código de Organização do Judiciário.
Todos respondem por cédulas, que são depositadas em uma urna. O juiz abre estas cédulas e a maioria dos votos define a sentença a ser proferida. As questões apresentadas aos jurados são cronológicas e complementares, sempre relacionadas ao que foi apresentado pelas partes (defesa e acusação) no julgamento.
“A única atribuição do juiz nos crimes contra a vida é aplicar o que foi definido pelos jurados. Se eles entendem que o réu é inocente, o juiz é obrigado a absolver. Se entendem que é culpado, cabe ao juiz a aplicação da pena,” explica.
Em setembro deste ano, Geraldo completa 25 anos de atuação na área criminal, 13 deles em Lages. Ele afirma que a média de duração de um júri popular é de quatro horas a seis horas. Porém, destaca que já julgou um caso em que foram necessárias apenas duas horas para anunciar o veredicto, e um outro, o mais longo de sua carreira, que chegou a 72 horas.
Neste mês de abril, o Tribunal do Júri da comarca de Lages terá três sessões ordinárias. Na pauta estão julgamentos para os dias 2, 9 e 16.
Dione integra o Conselho de Sentença há 40 anos
O interesse por leis e suas aplicações levou a dona de casa Dione Ubaldo Thomazi, 77 anos, a se tornar uma jurada, há quase 40 anos. Ela já atuou na comarca de Anita Garibaldi e há cerca de 20 anos integra o Conselho de Sentença da comarca de Lages.
“Condenar ou não, não é o que me fez ser jurada, mas sim o aprendizado que tenho. Na hora de votar e definir o que vai acontecer com o réu, sempre peço que Deus me ilumine para que eu faça a coisa certa.”
Quando Dione começou a participar do júri, as condições de apresentação de provas eram muito diferentes e ela acredita que a modernização e o uso de tecnologias contribui para facilitar o trabalho dos jurados.
Ela cita um caso em que o réu era acusado de atropelar propositalmente a vítima, mas a defesa insistia que o atropelamento havia acontecido sem querer. Ela lembra que, na ocasião, a acusação mostrou um vídeo que comprovou que o atropelamento foi proposital, pois o réu mudou a rota do carro para acertar a vítima.
Dione já perdeu as contas de quantas vezes foi jurada ao longo destas quatro décadas. Ela conta que os julgamentos e as aplicações das leis lhe atraem tanto, que até alguns anos atrás costumava ir ao tribunal acompanhar os julgamentos mesmo quando não era convocada. “Eu não acho difícil julgar, porque a gente tem que decidir pelas provas que existem, e isso torna fácil.”
Um dos casos que mais lhe marcou foi a vez em que um réu, ao ser interrogado pelo juiz, confessou o crime, mas fez algo inusitado. Além de se declarar culpado, descreveu em detalhes como cometeu o assassinato, derrubando a tese apresentada pela acusação.
“Ele disse que a acusação só podia supor o que aconteceu porque não estava lá na hora. Então, contou tudo em detalhes. Não sei se o que mais me chocou foi a sinceridade ou a raiva dele naquele momento. Ele não tinha remorso nenhum e disse pro juiz que faria de novo.”
Família de jurados
Dione conta que não se sente amedrontada quando está frente à frente com os réus, tampouco se intimida ao cruzar com eles em outros ambientes. Certa vez, ao sair de um julgamento no qual o réu havia sido inocentado, ela se dirigia para o seu carro quando foi abordada pelo réu e seus familiares.
“Fiquei sem saber como reagir, mas não senti medo. No fim, eles queriam me agradecer porque o homem tinha sido inocentado”, lembra. Por gostar bastante do que faz, Dione conta que não pretende sair do Conselho de Sentença tão cedo. Os últimos julgamentos dos quais participou aconteceram no começo do ano passado.
Na família Thomazi, não é apenas Dione quem se tornou jurado. Três de seus quatro filhos e uma das netas, também já foram responsáveis por condenar ou absolver acusados de crimes contra a vida. A neta, que hoje mora fora de Lages e não atua mais como jurada, entrou nessa a convite da avó, já os filhos foram convocados pelo tribunal e ainda estão no Conselho de Sentença.
“É uma responsabilidade imensa ser jurada, a gente aprende muito mesmo. Aprende observando os outros, aprende sobre a vida, sobre a índole das pessoas. Entendemos o peso da nossa escolha, porque julgar, neste caso, não é só questão de opinião. A experiência de viver este momento é algo que marca”, comenta a neta de Dione, Bruna Thomazi, 30 anos.
Crimes contra vida
Um réu é levado a júri popular quando comete
- Homicídio (simples, privilegiado, qualificado)
- Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio
- Infanticídio
- Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
- Aborto provocado por terceiros sem consentimento da gestante
- Aborto provocado por terceiros com consentimento da gestante
- Forma qualificada de aborto
Fonte: jusbrasil.com.br
DISPOSIÇÃO DO TRIBUNAL DO JURI
À direita: Defesa, réu e policiais militares
Ao centro: juiz, promotor (acusação) e escrivã
À esquerda: Conselho de Sentença (jurados)