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Representatividade: Celebração da cor

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Foto: Divulgação/ Arte Guilherme B. Rosa

“Você ri da minha roupa, você ri do meu cabelo, você ri da minha pele, você ri do meu sorriso.” A canção “Olhos Coloridos” é considerada um símbolo do orgulho negro no Brasil. Música interpretada por Sandra de Sá no início dos anos 80, foi escrita por Macau.

O autor, que era morador da zona sul do Rio de Janeiro, compôs a música na década de 1970, após ser preso injustamente pela Polícia Militar do Rio, em uma exposição de escolas públicas. Suas roupas simples e o cabelo Black foi uma das fontes da injustiça, de chacota e do racismo. Assim como acontece para milhares de brasileiros, e pleno século XXI.

Negar o racismo é querer esconder os fatos. Dados do IBGE de 2018 mostram, através das estatísticas, que o Brasil está longe de ser uma democracia racial. Em média, os brancos têm maiores salários, sofrem menos com o desemprego e são a maioria entre os que frequentam o ensino superior, por exemplo. As estatísticas, no entanto, são bem menos vantajosas para as populações preta, parda e indígena.

Atualmente, com a internet, as provas de sua existência estão mais presentes, mais afloradas, infelizmente. Mas, por outro lado, também estão mais presentes suas lutas. Com as redes, independentemente dos comentários que julgam como ‘mimimi’, as fontes de força disseminadas por seus manifestantes, também abriu espaço para que a população negra tenha voz e vez.

Esses tão pouco representados, na televisão, na publicidade e nos cargos de poder. Ver nas redes sociais amigos que lutam, artistas que lutam e inclusive artistas negros, pois eles agora aparecem e lutam pela sua minoria.

Inspirações que há algum tempo não estavam visíveis para crianças negras, que cresciam sem se ver em embalagens de xampus e acabam por alisar seus cabelos, hoje veem Taís Araújo, Beyoncé, Rihanna no estrelato. E mais, ditando tendências, arrastando multidões, sendo exemplos, militando pela causa.

Mais do que um dia 20 de novembro, dia de dar visão para a consciência que deveria ser diária, hoje, temos um Dia da Consciência Negra que celebra a inclusão dos nossos. Das causas, lutas, vitórias, movimentos, cabelo, roupas e cor! Dos nossos!

Pois, “A verdade é que você (Todo brasileiro tem!) tem sangue crioulo, tem cabelo duro, sarará crioulo!” Como diz a música. Algumas personalidades marcam a atualidade pela sua representatividade na luta por igualdade racial.

Beyoncé

A cantora, compositora, produtora musical e atriz norte-americana é símbolo da resistência negra no mundo todo. Chegando a patamares que nenhuma outra mulher em sua condição social havia chegado. Casada com o rapper Jay-Z, também negro, demostra através de sua música e ações, o empoderamento que mulheres e negros tanto clamavam.

Os EUA é um país marcado pelo racismo, com uma população carcerária majoritariamente negra e tendo os negros como minoria da população. Sua presença já é o suficiente para encorajar esses jovens negros a lutar.

Em suas letras, como Formation, do no álbum visual “Lemonade”, faz referência à luta da comunidade negra dos EUA, assim como outras de suas composições. Bey demonstra apoio a movimentos sociais, tem posição política e quebra recordes ano após ano.

Mano Brow

“Negro drama, cabelo crespo, e a pele escura, a ferida, a chaga, à procura da cura!” Diz uma das músicas mais famosas interpretadas por Pedro Paulo Soares Pereira, mais conhecido como Mano Brown. O cantor e compositor brasileiro faz parte do grupo de rap Racionais MCs, que mudou a história da música negra brasileira.

Suas letras tratam da realidade das favelas, local donde sempre fez parte, das lutas do povo do beco e vielas. Confronta a desigualdade racial e dá voz aos clamores dos jovens negros da periferia desde os anos 90.

Neste ano, foi homenageado pelo Troféu Raça Negra, uma parceria entre a ONG Afrobras e a Faculdade Zumbi dos Palmares, que destaca personalidades que lutam pela igualdade racial. Em uma entrevista (fato raro) recente, Brow falou sobre as lutas postas no momento, a do negro, da mulher, do índio e contra a homofobia. Intitula-se aprendiz e demonstra seu respeito a todas elas.

Viola Davis

A atriz Viola Davis é um dos nomes de mulheres negras mais influentes no meio artístico. Além de vários sucessos no cinema e televisão, entre os seus feitos está, ser a primeira negra a vencer um Emmy como melhor atriz dramática.

Para quem não entende a importância dessa realização, pode buscar em arquivos os papéis interpretados por negros anteriormente, como subalternos ou com sua cultura desvalorizada. Em seu currículo também carrega o ativismo, o apoio a causas de empoderamento feminino e a luta contra o racismo.

Sua mobilização é mundial, tanto que demonstrou sua homenagem à vereadora do Psol, Marielle Franco e ao seu motorista Anderson Pedro Gomes, assassinados no Rio de Janeiro em março deste ano. Viola é sinônimo de orgulho para a comunidade negra por esses e outros motivos, ela perpetuou seu nome em uma Estrela na Calçada da Fama em Los Angeles.

Taís e Lázaro

Os atores Lázaro Ramos e Taís Araújo já foram eleitos como um dos casais negros mais influentes do mundo. Comparados a Bey e Jay Z, têm forte representatividade. Dois negros que alcançaram o estrelato. Mas mesmo na posição favorável em que se encontram, já sofreram muito na pele por conta do racismo.

Alguns desses episódios estão presentes no livro Na Minha Pele, de autoria de Lázaro, que conta sobre o que pensa e sente sobre o racismo. Em trabalhos separados, os dois já eram uma fonte de inspiração para muitos jovens, mas depois de estrelarem uma peça e uma série de TV alçaram patamares nunca antes explorados por negros na mídia. O Topo da Montanha e Mister Brau, que dizem respeito à representatividade dos negros.

A cor da diversidade

Ana Giselle, 22 anos, é natural de Recife, mas reside, atualmente, em São Paulo. Multiartista visual, produtora cultural e DJ, Ana pretende quebrar barreiras. Intitulasse transalien, uma junção de transexual e alienígena, neste conceito se apropria de características anormais, ditas muitas vezes como erradas ou proibidas.

Em 2017, quando chegou em São Paulo, entrou para a Coletividade Namíbia, um coletivo de artistas visuais e música eletrônica que tem o objetivo de aumentar a visibilidade da produção artística negra no Brasil, no local ela ocupa o cargo de Embaixatrans.

Um dos seus propósitos é inserir a população trans em espaços de lazer e festas. Neste viés, conseguiu criar a lista TransFREE, uma política de gratuidade para trans e travestis. Além disso, tem uma vasta lista de participações em eventos como SP na Rua, Festival DGTL, Virada Cultural, Baile da Princess, entre outros eventos culturais e grupos militantes.

Criadora da MARSHA! Movimento social de celebração da coletividade. NÁMÍBIÀ é um tributo a todos os antepassados, trans e travestis. “É para dar voz a uma população que sempre foi silenciada, dar lugar a quem foi privada de todos os espaços.”

O projeto surgiu da necessidade de dar voz a essas pessoas historicamente marginalizadas, com palestras, oficinas, workshops, feiras e movimentações. Assim como a luta racial, à qual Ana pertence, a luta trans é sobre pertencimento, protagonismo e resistência.

Neste mesmo viés, ela se destaca por sua forma de expressão através das roupas e maquiagens. Assemelha-se ao conceito de afrofuturismo, que resgata a cultura africana através da música, arte, moda e outras tendências.

Quando questionada sobre suas inspirações, ela discorre: “As pessoas naturalmente me param nos lugares para falar sobre isso, ‘você é a cara do afrofuturismo.’” Mesmo que o conceito esteja muito presente no que Ana faz, ela diz não ter pesquisado sobre o assunto, tudo foi intrínseco.

“Eu já era antes de saber o que era isso. Intui essa necessidade de externar isso, eu carrego tanto a ancestral quanto o futurismo, foi muito natural, assim como tudo que faço através da minha arte.” Diz que tudo que fez até hoje foi através das suas experiências de vida, errando, caindo, chorando para, na próxima, fazer certo.

Em Lages, Diony de Sousa é um grande admirador do conceito que vem para mostrar o negro de outra perspectiva, como protagonista. Na literatura, por exemplo, são autores negros que trazem os seus personagens principais, heróis e heroínas, negros.

Personalidades como Janella Monáe, Spike Lee e Miles Davis, são referências nesse conceito. “A moda afrofuturista vem para destacar as roupas estampadas, a maquiagem, o cabelo, exaltar a estética do negro,” comenta Diony.

Brasil: um país racista

Suzane Faita

pauta@correiolageano.com.br

O Brasil foi o último país da América a abolir a escravidão, ou seja, dar liberdade a pessoas negras que eram escravizadas. Foram quase 400 anos de um regime de trabalho que gerou riqueza para muitas pessoas, e para a Nação. A base da economia era a força de trabalho da população negra. É, sem dúvidas, um dos fatos históricos mais importantes da nossa história. Tivemos mais tempo de escravidão do que temos de Independência, por exemplo, 196 anos desde 7 de setembro de 1822.

Livres, enfrentaram muitas dificuldades, pois não receberam indenizações, nem casa e tampouco trabalho remunerado. Essas pessoas tinham diversas profissões, eram pedreiros, tropeiros, trabalhadores domésticos, vendedores, agricultores, entre outros. Com a vinda de imigrantes, especialmente europeus, para o Brasil, estes, que assumiram as funções antes ocupadas pelos negros privados de liberdade, uma boa parte da população brasileira ficou sem trabalho.

Essa falta de política pública após a abolição gerou a marginalização da população negra, que reflete até hoje, com a falta de oportunidades e direitos. Alguns dados ilustram essa dura realidade. Mais de 50%, precisamente 54%, da população brasileira é negra. No Brasil, sete em cada dez pessoas assassinadas são negras. Segundo pesquisa realizada pela Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e o Senado Federal, 56% da população brasileira concorda que a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte de um jovem branco.

Para a Organização das Nações Unidades (ONU), o racismo é uma das principais causas históricas da situação de violência que vive a população negra no Brasil. Segundo Mapa da Violência, um homem negro tem até 12 vezes mais chance de ser vítima de homicídio no Brasil que um não negro.

A ‘ambulante’ Karol Conka

Vinicius Prado

vinicius@correiolageano.com.br

Nada poderia definir melhor o recente trabalho musical da cantora Karol Conka do que essa palavra: ambulante. Seu segundo álbum de estúdio, lançado no dia 9 de novembro, sob a essa alcunha, mostra como Conka é uma artista multifacetada. Do reggae, ao funk, passando pelo blues e o afrobeat, a paranaense, natural da metrópole Curitiba, sabe o que faz e coloca cada pingo nos ‘is’ em cada letra de suas músicas.

Feminista, ativista do movimento negro, a também rapper, sabe como conduz cada uma das 10 faixas do disco. A começar pela faixa Kaça, onde entoa a luta da mulher negra pela sobrevivência. Exemplo disso, são os trechos em que diz: “Eles querem meu sangue na taça, eu até acho graça; Se não é uma ameaça, é a temporada de Kaça. Karol Conka dona do Lalá, do próprio nariz […] Me cansei de quem fala de empoderar, pra se aproximar, pra se apropriar; Quer falar de superação? Muito prazer, sou a própria”.

Esse rap logo dá o tom das outras músicas que falam, inclusive, sobre a luta das negras e negros; dos LGBTs; da aceitação do próprio corpo; do sexo sob a ótica das mulheres; e por aí vai. Os pontos altos de Ambulante são astracks Vida que Vale, Vogue do Gueto, Desapego e Dominatrix. Além, é claro, a transição que Conka faz entre os gêneros musicais mostra como a cantora – e também compositora – sabe onde está pisando.

Vale ressaltar que o disco foi gravado em parceria com o produtor e DJ Boss In Drama, brasileiro e gay, responsável por outros hits dela e diversas outras músicas de cantores nacionais da atualidade.

Música afora

Outro ápice de sua carreira, antes de começar a trabalhar neste álbum, foi a regravação da música ‘Cabeça de Nego’, gravada originalmente pelo também rapper, Sabotage. A composição, originalmente lançada em 2002, fazia parte do disco Coleção Nacional, e tem uma letra forte, falando sobre a negritude e fazendo crítica social. Sabotage é referência para Conka desde quando era pequena. Ele morreu em 2003, alvejado por quatro tiros.

Cabeça de Nego não está em Ambulante, mas, assim como o recente disco, está disponível em todas as plataformas digitais de música. É importante ouvir o novo álbum de Conka e conhecer a artista, afinal, ela não se distanciou de Batuk Freak, lançado em 2013, e trabalha forte em cima do que vive – e luta: a mulher negra.

Por Agnes Samantha

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