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Uma cidade é feita por pessoas

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Foto: Andressa Ramos

Vista de cima, Lages se assemelha a muitas outras. Prédios, ruas, casas e carros compõem a paisagem urbana; campos, lagoas, morros e árvores se destacam na rural. Mas a percepção real de um município exige um olhar mais atento, mais próximo. São as pessoas com suas ideias e atitudes que verdadeiramente formam uma cidade.

Assim é Lages, onde lageanos de nascimento ou de coração comemoram, hoje, os 252 anos de fundação do município, um dos principais de Santa Catarina. São muitos os motivos para se comemorar a data, afinal, somos a 8ª economia catarinense, polo macrorregional do Comércio e referência em Educação e Saúde.

Mas, nas próximas páginas, o Correio Lageano destaca pessoas que, segundo dados do IBGE, formam a maioria da população, seja por faixa etária, salarial ou educacional. Afinal, é a população de arregaça as mangas, trabalha, estuda, preserva os costumes e vive aqui,  fazendo de Lages o que ela é.

“Não troco o campo por nada”

Marcio é tratorista e mora em Mirantes – Foto: Adecir Morais

A varanda da casa tem livre acesso, não precisando de proteção de grades ou portão. No quintal, galinhas passeiam sobre o gramado verdinho. Mais aos fundos, um chiqueiro abriga um porco para a engorda e, um pouco ao lado, açudes mantêm peixes de diversas espécies, como as carpas. Os pássaros gorjeiam por todos os cantos quebrando um pouco o silêncio da propriedade. O tratorista Marcio Hoefling Vargas vive uma vida simples, no interior de Lages, longe do agito do perímetro urbano da cidade.

Márcio é o autêntico “homem do campo”. Aos 40 anos, nunca perdeu suas raízes. Nasceu e cresceu no mesmo lugar, na localidade de Mirante, no interior de Lages, em uma pequena propriedade. De simpatia ímpar, ele pertence à faixa etária que concentra o segundo maior número de pessoas no meio rural em Lages, conforme o IBGE. O órgão aponta que a maioria das pessoas que mora no campo são homens, e a faixa etária entre 40 e 49 anos faz parte do segundo maior grupo com esta característica.

Filho caçula de uma família de cinco irmãos, Márcio mora na mesma propriedade dos pais, em um pequeno sítio da família. Além de cuidar da propriedade, trabalha de tratorista, prestando serviços à Prefeitura de Lages na região onde mora. Além do salário do município, recebe dos proprietários rurais pelos serviços realizados. Além disso, arrenda terrenos na região para plantar grãos, principalmente feijão. A produção é comercializada.

“Viver no sítio é muito bom e sossegado. A gente fica em contato com a natureza, fabrica salame, pode criar porcos, galinhas, gado, produzir feijão, legumes, frutas e verduras para o consumo. Só precisa ir até a cidade para comprar a miudeza. Minha irmã, que mora em Criciúma, já tentou me levar para lá, mas, por enquanto, aqui está bom. Não troco isso aqui por nada”, diz, observando que a vida agitada da cidade o incomoda.

Da lida no campo, ele lembra que seu pai, hoje aposentado e com a saúde debilitada, trabalhava em uma olaria que ficava na localidade de Mirante. Depois, foi trabalhar em pomares de maçã, e atualmente não consegue trabalhar por causa de problemas na visão.

Márcio também lembra, com detalhes, da infância. Recorda que costumava se divertir em uma boate na cidade, onde conheceu a esposa Ana Claudia Antunes, de 39 anos, com quem tem dois filhos, Mariele Antunes Vargas, 13, e Marcelo Antunes Vargas, 19.

Quanto a Lages, revela que sente amor pelo município. “Em relação a outras cidades, Lages é tranquila e sossegada. Eu não tenho vontade de sair daqui.”

População:

  • População: 156.727
  • Masculino: 75.952
  • Feminino: 80.775
  • Urbana: 153.937
  • Rural: 2.790

População Rural:

  • Masculino: 1.494
  • Feminino: 1.298

Comerciários têm que ter disposição para trabalhar em fins de semana e em datas comemorativas

Anttony é trabalhador do comércio – Foto: Bega Godóy

Anttony Cristophen Cesar, de 30 anos, trabalha no comércio de Lages há 11 anos e esse foi o seu primeiro e único emprego com carteira assinada. O comércio é um dos maiores geradores de ocupações no mercado de trabalho em Lages. O exemplo do lageano reafirma a importância do setor como porta de entrada para a vida profissional de muita gente.

O vendedor gosta do que faz. Ele aprendeu no dia a dia e por conta da experiência dá dicas de como fidelizar clientes. “Tratar as pessoas como gostaríamos de ser tratados. Além de ter preço bom e mercadoria de qualidade”, define ele que escolheu uma profissão que  exige dedicação e habilidade em vendas e, principalmente, disposição para trabalhar em fins de semana e datas comemorativas.

O rapaz começou o ensino superior no curso de Computação, mas não terminou, embora tenha feito estágio na área. Hoje, exerce a função de auxiliar de vendas numa loja do Centro da cidade e está feliz com sua condição. Graças ao seu trabalho e com a ajuda da esposa que trabalha na indústria, já comprou carro, casa e moto. Casado há quatro anos e sem filhos, Anttony não pensa em sair de Lages, pois acha a cidade tranquila, sem violência e com clima agradável, embora faça frio abaixo de zero. “Quero criar meus filhos aqui”, diz ele ao lembrar que planeja ter o primeiro deles em 2020.

O lageano só sai de Lages para passear e seu destino sempre é o Litoral.  Por aqui, quando não está trabalhando, gosta de frequentar a academia e praticar arte marcial.

O morador do Bairro Copacabana está bem animado com a modernização do Centro e acredita que um lugar bonito atrai mais gente e, consequentemente, potenciais consumidores. “Os lageanos estavam precisando de um lugar apropriado para o lazer”, assegura.

Comércio e Serviços são os que mais empregam. Confira os números segundo o IBGE

  • Conta própria: 13.316
  • Empregadores: 2.043
  • Com carteira assinada: 38.666
  • Sem carteira assinada: 11.854
  • Militares e funcionário estatutário: 5.013
  • Trabalhadores na produção para o próprio consumo: 781

Detalhes da cidade chamam atenção de estudante

Adriele é estudante do ensino médio – Foto: Andressa Ramos

A arquitetura de Lages chama a atenção de Adriele Sardá Varela, de 17 anos. Ela é observadora e, apesar de ainda não ter iniciado o terceiro ano do ensino médio, já sabe para que curso fará o vestibular: Arquitetura. Mas não é só disso que a jovem menina de sorriso largo e iluminado gosta. Ela é engajada na escola onde estuda desde quando estava nos anos finais da educação infantil. Acompanhou duas reformas da estrutura, mudanças que não a fizeram desistir daquela unidade escolar, mas, sim, querer acompanhar e incentivar os outros estudantes a desenvolverem algo a mais pela escola.

Adriele está no segundo ano da Escola de Educação Básica Flordoardo Cabral, no Centro de Lages. Lá, é representante dos alunos no conselho deliberativo, faz parte da comissão organizadora para o Grêmio Estudantil e, por alguns anos, foi líder de turma.

A estudante do ensino médio é filha de pai técnico em informática e mãe contadora. Mora no Bairro Beatriz e nunca saiu de Lages. Participa do caderno What’s Up?, um suplemento de leitura leve e descontraído, com temas que atraem e informam os adolescentes e jovens. A tiragem mensal é de 14.400 exemplares, distribuídos nas 44 escolas da rede estadual e também ao leitor do Correio Lageano.

Lages, cidade de oportunidades

Jane é artesã e trabalha no Calçadão – Foto: Andressa Ramos

Foi em Lages, que Jane de Liz, de 53 anos, viu a oportunidade de deixar a maior herança para a filha: os estudos. Ela acredita que esse é um dos maiores bens que os pais podem deixar aos filhos. Natural de São José do Cerrito, saiu da pequena cidade de pouco mais de nove mil habitantes e veio para Lages, pois, assim, a filha, hoje com 22 anos, poderia cursar a faculdade de Música.

Há três anos em Lages, Jane já trabalhou como vendedora, balconista e empregada doméstica, porém, há mais de um ano foi demitida e precisou encontrar uma alternativa para conseguir pagar o aluguel, que é parcelado em duas vezes; além das demais contas de casa. Como ela e a filha são artesãs e uma amiga havia deixado o ponto livre no Calçadão Túlio Fiúza de Carvalho, Jane decidiu investir o pouco que tinha em uma barraquinha. Mãos nos tecidos, pedras e linhas, e as duas começaram a fabricação de peças para serem vendidas no Centro da cidade. Há um ano, Jane trabalha vendendo, enquanto a filha, que é bolsista na faculdade, concilia estudos com a produção de mais artesanatos.

As artesãs vivem com um salário médio de R$ 500, realidade vivenciada por grande parte da população ativa de Lages, que tem como rendimento entre meio e um salário-mínimo que, atualmente, é de R$ 954. O pouco que recebem dá para se alimentar, pagar o aluguel e comprar mais material.

Para Jane, Lages dá oportunidades para a filha estudar, mas também para elas venderem. Além dos artesanatos no calçadão, Jane participa de um grupo de artesãs de São José do Cerrito que vende os produtos na praça do Terminal às sextas-feiras. “Eu espero que as pessoas vejam e reconheçam nosso trabalho que é feito com tanto amor e carinho.”

Distribuição da população de acordo com a renda

  • Até ⅛ de salário mínimo: 2.099
  • Mais de ⅛ a ¼ de salário mínimo: 5.611
  • Mais de ¼ a ½ salário mínimo: 26.326
  • Mais de ½ a um salário mínimo: 45.670
  • Mais de um a dois salários mínimos: 41.888
  • Mais de dois a três salários mínimos: 13.218
  • Mais de três a cinco salários mínimos: 9.554
  • Mais de 5 a 10 salários mínimos: 4.815
  • Mais de 10 salário mínimos: 2.68

Mulheres são maioria, mas ainda lutam por mais representatividade

Jana quer contribuir para reescrever a narrativa de representatividade da população negra – Foto: Marcela Ramos

Ao chegar aos seus 252 anos, Lages tem muito o que comemorar, mas também carrega algumas marcas em sua história, muitas ligadas às discriminações de gênero, raça e classe social. A cidade é, infelizmente, reconhecida por seus índices de violência contra a mulher e, curiosamente, a população é formada, em sua maioria, por mulheres e, dentre elas, o maior grupo populacional tem idade entre 30 e 39 anos.

Para apagar estas marcas do passado e construir um novo capítulo em sua história, Lages tem assistido a uma mudança de paradigma: vive um momento no qual o debate sobre a representatividade feminina tem se tornado especialmente relevante.

Neste cenário destaca-se a ativista Janaina de Liz, de 34 anos. Mulher negra, feminista interseccional (diz respeito à intersecção entre diversas opressões: de gênero, raça e classe social), militante do movimento negro, defensora dos direitos humanos e cantora nas horas vagas, Jana, como é mais conhecida, é lageana e filha de lageanos. “O que me mantém aqui é a contribuição pra reescrevermos uma nova narrativa com representatividade nos espaços que nos foram negados historicamente”.

Ao longo de seus 34 anos, Jana vem construindo a sua própria identidade, baseando-se em ser resistência diante de uma sociedade racista. “Sempre fui curiosa e quis saber sobre o negro antes da escravidão, da cultura africana por identificação. Me defini por pertencimento baseada na história dos meus ancestrais que eram livres e que foram sequestrados, escravizados e tiveram a sua cultura roubada”, explica.

Para ela, estudar e conhecer a história da população negra de Lages é fundamental para o empoderamento e recusa do que ela denomina como “silêncio colonial racista”. Jana destaca que a história da construção de Lages tem origem escravagista, pois a mão-de-obra está presente na arquitetura de locais históricos e também na formação da pecuária e do setor madeireiro.

“Por ser lageana, a minha história é consequência de um passado, de pessoas que lutaram antes de eu existir, pra possibilitar hoje a ampliação da nossa consciência e do quanto ainda precisamos avançar com nossas pautas”.

Graduada em Comunicação Social e pós-graduada em Estratégias de Mercado (com foco no contexto do racismo estrutural), Jana também estudou Estética e Imagem e está concluindo o mestrado em Bioética. “Pesquiso a desconstrução da estética enquanto influência cultural, que tem relação direta com quem somos e representamos socialmente, dos problemas enfrentados com a autoimagem e com a projeção da mídia sobre a hipersexualização dos corpos negros ou representações em papéis de subalternidade”.

Engajada, ela participa ativamente de movimentos sociais como a Rede de Desenvolvimento Comunitário Casa de Gente, a Casa de Resistência Popular Professora Luiza Leal, a Marcha Mundial das Mulheres, além, é claro, dos movimentos Negro e Feminista. Atualmente, seu principal foco é o projeto Pretxs, por meio do qual, em parceria com o jornalista Diony Souza, promove ações específicas, políticas e sociais, que têm como principal pauta a negritude.

População residente

Grupo de idade

0 a 4: 10.800

5 a 9: 11.649

10 a 14: 13.965

15 a 19: 14.067

20 a 24: 13.617

25 a 29: 13.416

30 a 39: 23.174

40 a 49: 21.898

50 a 59: 16.331

60 a 69: 10.267

70 ou mais: 7.543

Masculino

0 a 4: 5.391

5 a 9: 5.976

10 a 14: 7.170

15 a 19: 7.232

20 a 24: 6.659

25 a 29: 6.648

30 a 39: 11.236

40 a 49: 10.240

50 a 59: 7.566

60 a 69: 4.719

70 anos ou mais: 3.115

Feminino

0 a 4: 5.409

5 a 9: 5.673

10 a 14: 6.795

15 a 19: 6.835

20 a 24: 6.958

25 a 29: 6.768

30 a 39: 11.938

40 a 49: 11.658

50 a 59: 8.765

60 a 69: 5.548

70 anos ou mais: 4.428

Fonte dos dados: IBGE, censo de 2010

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