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PEC ameaça a existência dos pequenos municípios

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Com a retomada da geração de energia eólica, Bom Jardim deve melhorar seu faturamento e sair da lista - Fotos: Divulgação

Municípios com menos de cinco mil habitantes e com receita própria inferior a 10% da receita total poderão ser incorporados a municípios vizinhos com situação financeira melhor, a partir de 2025.

Esta é uma das orientações previstas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, entregue nesta semana pelo Governo Federal ao Congresso Nacional. Na Serra Catarinense, Bom Jardim da Serra, Rio Rufino e Urupema estão na mira do projeto.

O Pacto Federativo refere-se a um conjunto de regras constitucionais que determinam a arrecadação de recursos e os campos de atuação da União, estados e municípios. A PEC anunciada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê diversas alterações no Pacto, como a descentralização de recursos da União para estados e municípios e a flexibilização dos gastos com educação e saúde. Além disso, prevê mudanças na distribuição de recursos, estimando que os estados e municípios recebam R$ 400 bilhões a mais nos próximos 15 anos.

A proposta apresentada pelo governo determina que, para evitar que sejam extintos, os municípios que se enquadram nas exigências mínimas precisam comprovar, até 30 de junho de 2023, sua sustentabilidade financeira.

Quem não o fizer, será extinto e incorporado a algum dos municípios limítrofes a partir de 1º de janeiro de 2025, portanto, não terão eleição em 2024. Para efeitos da PEC, a quantidade de habitantes será definida de acordo com o resultado do Censo 2020.

Incorporando municípios, em tese, o Governo Federal pretende reduzir os custos da União e Estados com os municípios, eliminando fisicamente prefeituras e a Câmaras de Vereadores, além dos cargos de prefeitos e vices, vereadores e secretários ou diretores municipais. Sendo assim, a administração de cada cidade incorporada passará a ser feita pelo município-sede, como acontecia antes da emancipação dos mesmos.

Para o economista Flávio Valente, ao analisar a alteração nos municípios proposta pela PEC do Pacto Federativo, é preciso levar em consideração dois pontos: o econômico e o político. Pela ótica da economia, Valente acredita que a proposta é viável. “Não resta dúvida de que, se um município não tem condições de se autossustentar, não justifica ser município”, comenta.

Sob o aspecto político, o economista acredita há uma grande possibilidade de que a extinção de municípios não aconteça, pois os votos destes locais são muito importantes nos processos eleitorais.

“Do ponto de vista político é uma medida extremamente difícil de acontecer, porque as lideranças políticas locais são quem elegem deputados, vereadores, prefeitos. A soma das forças de prefeitos e vereadores é o que acaba elegendo deputados. À medida que se perde essa microforça política, fica mais difícil eleger representantes. Por isso, acho difícil de acontecer, embora seja extremamente salutar do ponto de vista econômico.”

Carmen diz que medida pode prejudicar municípios polo

A deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania) explica que a PEC foi entregue ao Congresso Nacional, mas também precisa passar pela Câmara dos Deputados, que formará uma Comissão Especial e abrirá prazos para apresentar emendas e possíveis alterações ao texto apresentado. A PEC precisa ser aprovada em dois turnos no Senado e outros dois turnos na Câmara para ser promulgada e entrar em vigor.

A deputada lageana, que representa a Serra Catarinense em Brasília, vê com preocupação a possibilidade de incorporação dos municípios. “Quando falamos na extinção, a estimativa é que 39 municípios catarinenses, três deles da Serra, sejam afetados. Isso é bastante preocupante porque são municípios expressivos. Não consigo imaginar Santa Catarina fazendo estas extinções, porque traria outras dificuldades pros municípios polo”, comenta.

Pensando no impacto das mudanças, a Federação Catarinense de Municípios (Fecam) também está atenta e, por meio de nota, informou que fará uma ampla análise do pacote de medidas que envolvem três PECs: Emergencial, dos Fundos Públicos e a do Pacto Federativo (todas entregues nesta semana ao Congresso).

O presidente da Fecam e prefeito de Tubarão, Joares Ponticelli, alerta que a fusão de municípios pode trazer problemas para os municípios polo, uma vez que estes acolherão os municípios extintos, mas não receberão nada a mais do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

“Sobre a proposta como um todo, a Federação esperava um pouco mais de compromisso, menos Brasília e mais Brasil. Precisamos, de fato, fortalecer o ente municipal, que há muitos anos vem sendo enfraquecido por conta da concentração cada vez maior de recursos em Brasília e dos problemas nas cidades. Precisamos de mais autonomia e mais recursos. O problema dos municípios com menos de cinco mil habitantes é extremamente complexo. Já debatemos o tema em Santa Catarina e sabemos que não é isso que vai resolver o problema do municipalismo no Brasil.”

Em SC são 39 municípios, mas situação pode mudar

De acordo com o Ministério da Economia, existem no Brasil 1.254 municípios com menos de cinco mil habitantes e com receita própria inferior a 10% da receita total e que, portanto, podem ser incorporados pelos vizinhos caso a PEC do Pacto Federativo seja aprovada.

Um estudo feito pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC) em 2017 e apresentado em março de 2019, aponta que 39 cidades catarinenses se encaixam nos pré-requisitos para extinção.

O estudo levou em conta a situação financeira dos pequenos municípios catarinenses e identificou, à época, a existência de 105 municípios (um terço das cidades catarinenses) com menos de cinco mil habitantes – sendo 39 com receita própria menor que 10% da receita total, dentre eles os serranos Bom Jardim da Serra, Rio Rufino e Urupema.

A diretora de Atividades Especiais do TCE-SC, Monique Portella, explica que o estudo foi elaborado levando em consideração dados de 2016 e anos anteriores, e tinha como foco levantar o custo emancipatório dos municípios para o estado, portanto, não foi realizado com o intuito de identificar municípios que poderiam ser incorporados aos seus vizinhos.

“O foco foi entender qual seria o retorno para o Estado se os municípios emancipados após a Constituição de 1988 não tivessem sido emancipados. Observamos que chegaríamos a uma economia anual de um pouco mais de R$ 1 bilhão, pois teríamos diminuição dos custos destinados à manutenção da máquina pública”, avalia.

Para Amures, o número de cidades afetadas é maior

O secretário-executivo da Associação dos Municípios da Região Serrana (Amures), Walter Manfroi, também mostra preocupação com a possibilidade de extinção de alguns municípios.

Ele conta que, ao longo de sua carreira, acompanhou a emancipação política e a criação de várias cidades, além do desenvolvimento de cada uma ao longo dos anos. Para ele, a incorporação a municípios vizinhos não é a melhor saída e pode resultar em problemas financeiros e precarização de serviços nas cidades polo.

Contrariando o estudo apresentado pelo TCE-SC, que lista apenas três cidades serranas dentre as que têm risco de extinção, a Amures acredita que mais cidades da região podem ser afetadas. Em um levantamento feito na última semana, considerando dados de 2018, a entidade identificou que, além de Bom Jardim da Serra, Rio Rufino e Urupema, as cidades de Bocaina do Sul, Cerro Negro, Painel, Palmeira e Ponte Alta (quase 50% da região) também ficam em risco caso a PEC seja aprovada.

Capão Alto integra a lista dos municípios com menos de cinco mil habitantes, porém, segundo o levantamento da Amures, está fora de risco porque sua receita própria é superior a 10% da receita total.

“A fala de extinção dos municípios é perniciosa, altamente contrária aos interesses do cidadão que está lá. Se os municípios forem extintos, vai aumentar a população que precisa ser atendida por uma mesma prefeitura, por exemplo, e haverá perda de recursos, uma vez que a incorporação não prevê a continuidade dos repasses para os municípios polo”, avalia

Como exemplo, Manfroi cita Painel, Rio Rufino e Urupema, que ficam geograficamente próximos. Sendo emancipados, cada um recebe 0,6% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Se passassem a ser distritos de outra cidade, a região deixaria de receber cerca de R$ 10 milhões por ano.

Levando em consideração que os municípios têm até o fim do primeiro semestre de 2023 para comprovar sua sustentabilidade econômica, Manfroi acredita que a lista de risco pode diminuir.

“Pelo levantamento da Amures, Ponte Alta está praticamente fora porque sua arrecadação própria é de 9,76%. Bom Jardim da Serra e Urupema, também. Atualmente eles têm 8,4% e 6,2% de arrecadação própria, respectivamente, e, com o reestabelecimento das eólicas em Bom Jardim e o incremento turístico de Urupema, certamente tendem a aumentar estes percentuais.”

A expectativa é que estudos mais recentes apontem resultados melhores para Rio Rufino

Foco dos debates deveria ser a unificação da Saúde e da Educação

Para Manfroi, a PEC do Pacto Federativo aborda outros temas que têm maior relevância do que a extinção dos municípios. Para ele, colocar este último em destaque é uma estratégia para votar outros temas mais sérios – e que despertam menor interesse da população – com mais facilidade. “Trata-se de um jogo de negociação. O [ministro] Paulo Guedes é um grande articulador e vai jogar os temas que geram insegurança e perplexidade nos cidadãos, para passar outras medidas que são importantíssimas, como a gestão das despesas públicas.”

Manfroi acredita que temas como a educação da jornada de trabalho com redução salarial de servidores públicos federais, que também prevista na PEC, é um dos temas que deveriam ganhar mais destaque e ser mais debatidos.

A deputada Federal Carmen Zanotto também demonstra preocupação quanto a outros pontos da PEC. Segundo ela, sua maior preocupação diz respeito a proposta para unificação dos recursos da Saúde e da Educação. Pela lei atual, estados e municípios devem destinar, obrigatoriamente, 25% da sua renda para a Educação e 15% para a Saúde. Com a alteração proposta na PEC, os municípios poderão gerir estas duas verbas de forma unificada.

“Existindo um mínimo obrigatório para cada setor já enfrentamos problemas, imagina como a situação pode ficar se isso for dividido entre as duas áreas. Sem a obrigatoriedade, se o gestor quiser pode usar mais na educação, ou mais na saúde. Só que isso é muito complexo porque são duas áreas essenciais que não deveriam disputar o pouco recurso de que dispomos”, completa.

A aposta da Amures é que Urupema alavanque sua economia com o turismo

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