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Acidentes chamam a atenção e moradores questionam binário
De um lado, pessoas que não aceitam a mudança do binário, de outro, aqueles que defendem a eficácia da instalação do novo sistema de trânsito no Centro de Lages. Desde o dia 5 de janeiro algumas ruas sofreram alteração.
Pela Rua Frei Gabriel, os condutores podem somente descer, já pelas ruas Anastácio da Silva Mota e Caetano Vieira da Costa os veículos só podem subir sentido ao Centro da cidade. Essas foram as principais mudanças, motivo que gerou discussão nas ruas e nas redes sociais.
Nos últimos dias, há quem tenha enfrentado dificuldades, mas há motoristas que apreciaram o novo modelo. Para o proprietário de uma farmácia na Rua Frei Gabriel, João Carlos, a mudança não só foi negativa como afetou seu estabelecimento.
Ele diz que o movimento de clientes diminui, pois sua principal clientela vinha dos bairros Várzea, Habitação, Caça e Tiro, Popular e Caravágio, já que a rua era o principal acesso para o Centro. Por este motivo, João pensa em reduzir o quadro de funcionários.
E ressalta que todo o comércio está sentindo o impacto. Há 28 anos no mesmo endereço, o empresário diz que nunca foi tão prejudicado como agora. Na opinião dele, há uma desconformidade e descontentamento, de clientes e moradores. “Nós até entramos com uma ação no Ministério Público, mas, mesmo assim o binário aconteceu.”
Proprietária de um Pet Shop, Bruna Westphal acredita que a mudança é totalmente desnecessária e que havia outras formas de alterar o fluxo do trânsito sem mudar o vai e vem de carros. Bruna reclama que os moradores e comerciantes não foram ouvidos e nem recebidos pela gestão municipal envolvida no processo.
“Primeiro eles tinham que ter falado com a gente, mas não fizeram isso. Disseram que a base da mudança foi uma audiência feita em 2010, mas muita gente nem foi ouvida, muitos comerciantes não estavam aqui.”
O secretário de Planejamento de Obras de Lages, Claiton Bortoluzzi, garante que o sistema é eficiente e necessário, afinal, é uma obrigação do município fazer a melhoria de fluxo das vias. “Tenho conversas de pessoas que elogiaram e, inclusive, afirmam que aumentou a movimentação de clientes”.
Sobre as reclamações da mudança, Claiton explica que alteração não aconteceu de forma pontual, mas sim pelo coletivo. “O estudo foi feito para isso, para beneficiar a todos. É o melhor sistema para organizar as vias e aproveitar os espaços.” O secretário ressalta que o investimento para o binário foi pequeno, se comparado ao benefício, houve aplicação em placas e pinturas.
Nos últimos 25 dias, tempo de mudança, alguns acidentes aconteceram no cruzamento com a Belizário Ramos, o que gerou várias reclamações. Porém, Claiton diz que o principal fator dos acidentes é a falta de atenção dos motoristas e, para os agentes de trânsito, muitos motoristas falam ao celular enquanto dirigem.
Sargento Sobrinho, morador e suplente de vereador, foi o proponente da ação particular ao Ministério Público solicitando o bloqueio da instalação do binário. Ele também solicitou, junto do vereador Jair Júnior, o estudo técnico que foi realizado em 2010, mas não teve resultado.
Segundo Sobrinho, existe uma Lei de Mobilidade Urbana, Lei nº 12.587/2012, que tem como objetivo melhorar a acessibilidade e a mobilidade das pessoas e cargas nos municípios e integrar os diferentes modos de transporte.
A legislação, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, dá prioridade a meios de transporte não motorizados e ao serviço público coletivo, além da integração entre os modos e serviços de transporte urbano.
A lei prevê instrumentos para melhorar a mobilidade urbana nas grandes cidades, como a restrição da circulação em horários predeterminados. Também permite a cobrança de tarifas para a utilização de infraestrutura urbana, espaços exclusivos para o transporte público coletivo e para meios de transporte não motorizados, além de estabelecer políticas para estacionamentos públicos e privados.
O texto também esclarece os direitos dos usuários, como o de ser informado sobre itinerários, horários e tarifas dos serviços nos pontos de embarque e desembarque.“Nós demos duas alternativas para eles avaliarem, a primeira é tirar o estacionamento em horários de pico e a outra é diminuir a calçada, mas eles não nos escutaram.”
O morador questiona outros pontos, como o ônibus permanecer em pista de rolamento; quanto foi investido para implantar o binário; e como ficará a segurança da região. “Nesses dias, foram registrados dois assaltos, porque a rua ficou muito parada.”
O engenheiro de trânsito da Diretran, Sérgio Todeschini, explica que apesar do estudo ter sido feito em 2010, houve um novo levantamento em 2018 para se ter embasamento e alterar o projeto, afinal, o número de carros aumentou.
“Fizemos a atualização com a contagem de veículos, contagem do número de acidentes e toda a observação da estrutura com as modificações que na época foram feitas. O estudo foi feito com parte da Secretaria de Planejamento e Obras, o pessoal da Profuzi (empresa que fez o estudo) e a Diretran. O sistema é funcional.”
A aplicação do estudo só não foi feita na época, segundo Todeschini, porque a ponte na Avenida Belisário Ramos, precisava ser construída. “Tanto é que a ponte foi construída prevendo essa alteração. A abertura da Rua Anastácio da Silva Mota também, uma casa foi desapropriada para a mudança”.
O engenheiro explica que fazer a instalação do binário é uma forma de antecipar uma situação de fluxo caótico que está se moldando. Sérgio também comentou as reclamações quanto à mudança.
“Quando se faz um estudo de trânsito, você faz um estudo tecnicamente pensando num geral, pensando em que pontos ele irá se refletir. Por exemplo, a Rua Honorato Ramos, que era pouco movimentada e agora está sendo utilizada. Começamos a fazer com que as ruas fossem mais utilizadas para poder desafogar o trânsito. O trânsito nós fazemos para uma comunidade, para que todos os usuários sejam beneficiados. Tecnicamente eu tenho que mostrar que o trânsito vai fluir. O volume de pessoas que passam na Frei Gabriel, praticamente será o mesmo, o que acontece é que está mais rápido. Em termos de comércio, será melhor pela facilidade de estacionar,” alega Todeschini.
“As pessoas têm resistência quando implica em mudança no dia a dia delas. Nós tivemos reuniões com o pessoal da Acil, quando todos nos apoiaram com o processo de mudança. Especificamente, não conversamos com aquela comunidade ali, mas, em compensação, no fluxo, a movimentação irá melhorar num todo. Os taxistas, por exemplo, falaram que o trânsito melhorou e está mais rápido. O binário irá continuar, o que pode acontecer são adequações. Nós estamos avaliando como os motoristas estão reprogramando suas rotas. Estamos avaliando a possibilidade de instalar um semáforo, pois, anteriormente, a preferencial já era de quem estava na avenida e quem estava na rua Anastácio precisa parar. São pontos que precisam de atenção. O que vamos fazer é instalar alguns dispositivos para alertar aos motoristas quanto ao tráfego”, finalizou.
Opinião de especialistas
Fernando Calvetti, arquiteto e urbanista, mestre em Planejamento Urbano e regional, professor da Uniplac e Facvest
Binários são boas opções para dar maior fluidez ao trânsito, e esse tipo de mudança, normalmente, é feita a partir de estudos e simulações, visando a um trânsito mais eficiente para a cidade como um todo, e não só necessariamente para a região da sua implantação.
É natural que haja resistência da população em relação a tais mudanças, mas, no caso específico, as possíveis melhorias serão vistas quando o equipamento que causa maior volume e concentração de tráfego de veículos – a Uniplac – retornar às atividades, o que acontece nas próximas semanas.
Mesmo assim, alguns pontos parece que já podem ser melhorados. Cito a nova conversão da Avenida Dom Pedro para a Anastácio da Silva Mota que, a julgar pela nova importância desse ponto, possivelmente precisará de um semáforo.
Adailton Camargo, especialista em trânsito
O binário não foi sido implantado na gestão passada, devido à falta de recursos para contratar uma empresa para realizar o estudo técnico, pois uma alteração desta magnitude exige que sejam realizados vários procedimentos que não dependem apenas da aplicação de sinalização e alteração dos sentidos das vias.
O debate para a viabilidade da alteração deveria nascer no Conselho Municipal de Trânsito (que nessa gestão ainda não foi formalizado), sendo viável, o conselho deveria convidar a população e os afetados diretamente pela alteração (comerciantes e moradores locais) para uma audiência pública.
Após esses procedimentos, o município deveria contratar uma empresa especializada na área para realizar o estudo, como foi feito com o binário da Rua Lauro Muller. Um estudo deste porte requer a apresentação de projeto com descrição de estatísticas de acidentes de trânsito, contagem de veículo, entrevistas com os usuários da via, exposição do trajeto de pedestres, ciclistas, motociclistas, condutores de veículos, táxis, transporte de cargas e transporte coletivo.
Após esse processo, o estudo deveria voltar às audiências públicas para apresentação do novo traçado das ruas, do valor de execução da alteração e justificativas da implantação, comprovando que melhoraria o fluxo de trânsito, reduziria os acidentes e a referida alteração seria benéfica a todos.
O município justifica que o binário está vinculado a estudo realizado por empresa contratada no ano de 2010, quando a cidade contava com 75.850 veículos registrados, mas acontece que oito anos se passaram e a frota aumentou para 110.292 veículos registrados. Seguindo este raciocínio, o estudo técnico de 2010 está desatualizado de informações a respeito do crescimento da cidade.
Em determinado momento, foi ventilado nos órgãos de imprensa que, caso a alteração não obtivesse sucesso o município voltaria atrás, fato que é inconcebível, pois o investimento para as alterações é alto e não pode ser tratado como teste.
Neste curto período de implantação, já ocorreram vários acidentes, principalmente no cruzamento do binário entre a Avenida Belisário Ramos, Rua Caetano Vieira da Costa e Anastácio da Silva Mota. O binário, segundo consta, inicia-se na Avenida Dom Pedro II em direção ao Centro, seguindo o raciocínio lógico, deveria ser preferencial do início ao fim.
Acontece que ao chegar na Belisário Ramos, o binário deixa de ser preferencial, obrigando os condutores a pararem em local de grande fluxo de veículos, considerado muito perigoso. Importante ressaltar que o binário da Rua Lauro Muller só possui paradas de fluxo mediante controle de semáforo, portanto, no cruzamento que vem ocorrendo acidentes, também deveria existir um semáforo para controlar o trânsito de uma forma harmônica e segura.