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Trigo, uma cultura em extinção na Serra Catarinense

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O agricultor Irineu Reinoldo Deuner, de 53 anos, pode ser considerado uma exceção. Enquanto alguns triticultores estão deixando de investir no setor por conta de diversos fatores, dentre eles questões relacionadas ao clima e à rentabilidade, ele aposta na atividade e este ano não é diferente.

Morador em Campo Belo do Sul, nesta safra ele plantou 160 hectares e pretende colher 11.200 sacas no fim do ano – uma média de 70 sacas por hectare, um volume acima da média histórica que é de 60 a 65.

“A gente se criou vendo o pai cultivando trigo. Fiquei dois anos sem plantar, mas nesta safra decidi investir novamente na atividade, porque acho que o preço do produto está bom. Hoje, o valor da saca é de R$ 45,00 e minha esperança é que esse preço continue. O cultivo do trigo é bastante exigente, os custos de produção são altos e a gente tem de ficar atento às doenças e manter a lavoura bem cuidada para colher um produto de boa qualidade. Tenho esperança que vai dar tudo certo”, comenta o produtor. No verão, ele cultiva milho, feijão e soja, apesar do período de colheita do trigo atrasar o cultivo da soja. 

Irineu pode ser considerado um teimoso, isso porque o trigo tem ocupado cada vez menos espaço na agricultura da região serrana. De acordo com o engenheiro agrônomo da unidade da Copercampos de Campo Belo do Sul, Tomás de Almeida Bruse, há 10 anos, a área plantada era de cerca de 3 mil hectares, hoje, porém, não passa de mil hectares. 

Fatores climáticos, como as geadas que maltratam as plantações e a concorrência do trigo importado estão entre os principais aspectos responsáveis por afastar o produtor rural do cultivo do cereal. Conforme Tomás, cada hectare rende de 65 a 70 sacas, já o custo de produção fica em torno de 60 sacas por hectare. Ou seja, a margem de lucro é pequena diante dos riscos de perda de produção.

Outro fator que restringe a produção do cereal está relacionado ao casamento com outras culturas. Para não atrasar o plantio da soja – geralmente feito no mês de setembro, quando o trigo ainda está na lavoura, muitos produtores deixam de investir na triticultura por questões de rentabilidade. “Em média, o atraso no plantio da soja gera uma perda de 10 a 15 sacas por hectare”, afirma Tomás.

Estudo acadêmico comprova desinteresse

Um estudo realizado pelas estudantes Iana Morgan Lorenzetti, Letícia Peretti, Maria Angélica de Jesus e Maria Thereza de Oliveira, no âmbito da disciplina de “Comercialização Agrícola”, do Curso de Agronomia do Centro de Ciências Agroveterinárias da Universidade do Estado de Santa Catarina (CAV/Udesc) de Lages, aponta as razões que fazem com que os produtores ignorem a triticultura.

Segundo a professora Letícia Andrea Chechi, que coordenou a pesquisa, o clima irregular interfere diretamente na produção, afetando a qualidade dos grãos e favorecendo a propagação de doenças na planta. Consequentemente, o produtor fatura menos e, muitos deles, preferem produzir pastagens que servem de alimento para o gado, a investir no setor.

Diferente do cenário regional, esse mesmo estudo mostra que houve um aumento da área plantada em Santa Catarina. No ano passado, os triticultores catarinenses plantaram 58,1 mil hectares, 7,8% a mais que na safra anterior (2017), que foi de 53,9 mil hectares. A safra passada teve uma produção de 2.540 kg por hectare, 3,4% menor que a de 2017, que ficou em 2.630 kg por hectare.

Os problemas climáticos foram os principais responsáveis pela diminuição da produção, como o excesso de chuva no início da fase de plantio e estiagens ao longo do ciclo de produção. Além disso, algumas geadas tardias, que ocorreram em setembro, afetaram as lavouras.

Além disso, em outubro e início de novembro, o excesso de chuva foi o principal fator responsável pela má qualidade do produto, pois ocorreu quando a cultura estava em fase reprodutiva e de maturação, provocando perdas diretas e indiretas por causa de grãos menores e mais leves e maior incidência de doenças. 

Incentivos do governo tentam ampliar produção

A pesquisa das acadêmicas destaca que, diante das dificuldades enfrentadas pelos triticultores, o Brasil criou políticas públicas que buscam reduzir as oscilações de renda deles, assegurando uma remuneração mínima, atuando na oferta de alimentos e garantindo o abastecimento nacional.

Essa política de aquisição de produtos, segundo a pesquisa, tem como característica apoiar os produtores, agricultores familiares, cooperativas, pela aquisição de seus produtos quando o preço do mercado estiver abaixo do preço mínimo estabelecido para a safra vigente. Os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram que o preço médio recebido pelos produtores em Santa Catarina é de R$ 42,16 por saca, enquanto pela política de garantia o valor atual é de R$ 40,57. Para o agrônomo Tomás de Almeida Bruse, essa política de preço mínimo “não funciona”.

Letícia e Olívio Ciprandi, ambos professores do Curso de Agronomia do CAV/Udesc

Produtor não fica com 50% do valor

Ainda segundo o estudo das alunas do CAV/Udesc, ao analisar a margem de comercialização no processo de beneficiamento do trigo em farinha (saca de 100 Kg – dados de 2018), realizado por muitas cooperativas tritícolas no sul do Brasil, constatou-se que o produtor recebeu em torno de 43% do valor final do produto, enquanto 57% remuneram o sistema de comercialização, sendo 45,8% para o atacado e 11,2% para o varejo.

O estudo conclui apontando que, mesmo que o produtor tenha uma margem favorável na comercialização do trigo e políticas que garantam o preço mínimo, o Brasil não consegue produzir todo o trigo consumido no país, tendo que importar boa parte do produto. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), de janeiro a julho deste ano, o Brasil já importou 558.419,42 toneladas.

Santa Catarina, nesse mesmo período, teve seu saldo de importação superior a 50.000 toneladas. “Para o Brasil se tornar autossuficiente na produção, o preço do produto teria de ser mais alto, para isso, o produtor deveria receber mais incentivo”, diz o professor Olívio Ciprandi, que também atua no Curso de Agronomia do CAV/Udesc.

A importância do cereal

O trigo possui destaque na economia global por ser um dos três cereais mais cultivados no mundo, tendo importância para alimentação humana, através de pães, bolos, farinha e para alimentação animal, como forragem, grãos ou na composição de ração. Cerca de 50% do volume consumido no Brasil é importado, principalmente da Argentina.

A região Sul do Brasil é responsável pela maior parte do trigo produzido no país, devido ao clima ser mais propício e isso se deve ao fato de que a cultura prefere temperaturas mais amenas, as quais são características da região.

Praticamente todo o trigo produzido em Santa Catarina é destinado a produção de farinha, sendo que a maior parte é consumida dentro do estado para o setor de confeitaria, panificação e uso doméstico.

90% do trigo brasileiro é produzido no Sul

63,2% no Paraná

24,6% no Rio Grande do Sul

2% em Santa Catarina

5.400 toneladas de trigo foram colhidas em 2017 na Serra Catarinense. O cultivo foi realizado em 1.550 hectares por 35 agricultores. (Fonte: Epagri)

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