Geral

Trabalho integrado muda a realidade da mortalidade infantil na Serra Catarinense

Published

em

Enquanto em Santa Catarina houve redução da taxa de mortalidade infantil anualmente, atingindo 10,4 óbitos por mil nascidos vivos em 2014, na Serra Catarinense ocorreu crescimento entre 2011, 2012 e 2013.

Em 2014 a taxa nos municípios da Serra foi de 17,4 óbitos por 1.000 nascidos vivos. Para reverter essa situação, os profissionais de saúde atuam nas causas e a expectativa é de que o próximo levantamento do Ministério da Saúde já sinalize uma redução significativa.

Em 2014, a enfermeira Daniela Rosa de Oliveira assumiu como coordenadora regional de Atenção Básica e Rede Cegonha da Serra Catarinense. “Só tínhamos os números, mas não o que estava por trás disso.

A Serra sempre tinha os piores índices do Estado e isto nos incomodava”, recorda. A equipe descobriu que mais de 80% dos óbitos ocorriam por falhas no pré-natal. Então, em fevereiro, março e abril de 2015 viajou para os municípios falando com as equipes para entender o trabalho que realizavam no pré-natal, no puerpério e também com a criança.

“Encontramos algumas equipes da Atenção Básica que não faziam o pré-natal, outras o pré-natal era realizado por médico especialista, e, em outros casos, as gestantes tinham que ficar na fila de madrugada esperando pelo atendimento nas Unidades Básicas de Saúde. Enfim, fomos descobrindo os porquês da mortalidade aumentada na Serra Catarinense,” descreve Daniela.

Confira a reportagem completa abaixo

 

Protocolo regional é mais rígido que o nacional

Com relação às crianças que morriam ou nasciam prematuras, o grupo descobriu que gestantes com infecção urinária, sífilis, HIV ou, ainda, com problemas de saúde bucal não tinham por vezes diagnóstico e/ou tratamento conforme os protocolos estabelecidos.

O grupo condutor da Rede Cegonha e em especial a Câmara Técnica criada dentro dele, com vários profissionais do Hospital Tereza Ramos, da gerência Regional de Saúde e do Município de Lages -, começou a estudar e criou o Protocolo Regional de Atenção ao Pré-natal e Puerpério.

A Serra Catarinense foi a primeira Região do Estado que construiu um protocolo regionalizado específico para atendimento pré-natal. Ele tem como base o protocolo nacional estabelecido pelo Ministério da Saúde.

No entanto, o regional é mais rígido.O protocolo nacional, por exemplo, estipula que é necessário fazer uma consulta odontológica na gestante. Já o da Serra diz que tem que ser feita uma consulta odontológica por trimestre, para reduzir as bactérias da boca, também causadoras de mortalidade fetal.

“Nosso protocolo diz, ainda, que a mãe tem que fazer teste de sífilis de três em três meses, ou seja, as exigências foram ampliadas, adequando para a nossa necessidade a fim de atacar os problemas identificados que causam mortalidade”, complementa Daniela.

Qualificação dos profissionais

Durante as visitas realizadas nos municípios, entre 2014 e 2015, identificou-se que, além dos indicadores, haviam problemas de acesso, resistência das equipes na realização do pré-natal, necessidade de mudança no processo de trabalho, fragilidade na territorialização e fragmentação da informação.

Assim, o Comitê Regional de Prevenção ao Óbito Infantil, Materno e Fetal estabeleceu os óbitos como eventos sentinela e iniciou um diagnóstico a partir de uma rede explicativa do problema, com identificação dos pontos críticos, entre eles a necessidade de fortalecer o pré-natal e o puerpério na Atenção Básica, em todos os municípios da Região. Assim, foi elaborada uma proposta para qualificar os pontos da rede de atenção, incluindo os profissionais da Atenção Básica, da rede hospitalar e da urgência e emergência.

A meta foi efetivar e aprimorar a consulta de pré-natal pelas equipes de Atenção Básica por meio de tutoria e visitas nos territórios.

Dados preocupantes na Serra:

  • 10 casos de transmissão vertical pelo HIV entre 2005 a 2014 (três destes desenvolveram AIDS)
  • 153 casos de gestantes com HIV entre 2005 a 2014
  • 305 casos de gestantes com sífilis de 2015 a 2016
  • 242 casos de gestantes com sífilis congênita entre 2013 a 2018

(Fonte: SINAN NET/DIVE/SUV/SES-SC)

Mudança no processo de trabalho

O trabalho da Rede Cegonha na Serra Catarinense explora a realidade vivida de cada território. Conforme Daniela, foi nítida a mudança no processo de trabalho das equipes de Atenção Básica e Vigilância Epidemiológica, como: aumento de vínculo entre os profissionais e profissionais e usuários, discussão e planejamento estratégico para melhoria do acesso e da qualidade na linha de cuidado da gestante, puérpera e criança.

LAB-Mãe Serrana

A experiência resultou na criação do LAB-Mãe Serrana, formado para estudar as questões relacionadas ao pré-natal, parto e puerpério em especial as questões relacionadas à sífilis congênita. A iniciativa rendeu o Prêmio Inovasus de 2015 e depois foi selecionada pelo Laboratório de Inovação em Educação da Saúde, da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e Ministério da Saúde (MS), ficando entre as 30 melhores práticas de Educação Permanente em Saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), divulgada na América Latina.

Iniciativa será levada para o restante do Estado

A Secretaria de Estado da Saúde (SES) vai reproduzir o trabalho desenvolvido na Serra em todas as equipes das regiões de Santa Catarina. “O diferencial é que não reunimos os profissionais dos municípios da Região na sede da Região de Saúde para discutir os problemas. Nós que fomos conhecer a realidade deles nos seus municípios, aos poucos, percebemos uma mudança de comportamento nas equipes de saúde”, salienta Daniela.

Uma rede de cuidados

O Hospital Geral e Maternidade Tereza Ramos, de Lages, recebe gestantes de todos os 18 municípios da Serra Catarinense. É a referência regional para partos de baixo e alto risco. Conforme a diretora da instituição, Beatriz Montemezzo, cerca de 95% dos partos da Região acontecem no local. São, em média, 300 por mês. “A demanda é muito grande, as mulheres vêm direto para o hospital, não passando pelas Unidades Básicas de Saúde. Somos emergência com porta aberta, recebendo cerca de 1,2 mil gestantes por mês para consultas, explica.

O progresso feito pelo trabalho regional na Rede Cegonha resultou na implantação de um importante ponto de atenção às gestantes, a Casa Mãe Tereza. Aberta desde 19 de dezembro de 2017, acolhe gestantes, puérperas e bebês da Serra e está localizada estrategicamente a 500 metros do hospital. Braço do Tereza Ramos, a Casa comporta 20 mulheres e a equipe do Centro de Obstetrícia do hospital trabalha em sintonia com protocolo construído conjuntamente.

As mães na Casa Mãe Tereza são atendidas por profissionais de saúde. Os atendimentos incluem mulheres no pós-parto que tem seus filhos internados na UTI Neonatal, gestantes de alto risco e recém-nascidos que precisam de atenção especial mas não necessitam ficar internados no hospital.

Outro aspecto importante é que esta casa também recebe gestantes que chegaram ao hospital e que não estão ainda em trabalho de parto ativo. “Quando as gestantes chegam ao hospital, elas passam por uma triagem no Centro de Obstetrícia. A mãe que estiver quase em trabalho de parto permanece conosco, na Casa Mãe Tereza, até o trabalho de parto iniciar efetivamente quando é transferida para o hospital. Com isso as mães têm ficado mais tranquilas”, reforça a diretora do hospital.

Mães aprovam a Casa Mãe Tereza

Moradora de Ituporanga, Gabrieli Theiss, 18 anos, nem sabe como faria para acompanhar as gêmeas prematuras se não tivesse a Casa Mãe Tereza. Sofia Helena e Sara Pietra nasceram com 35 semanas de gestação e foram internadas na UTI Neonatal do Hospital Tereza Ramos para ganharem peso. Desde que recebeu alta, Gabrieli foi acolhida na Casa e dividiu o tempo entre o Banco de Leite do hospital e a UTI Neonatal. “Tem tudo: conforto e é bem pertinho do hospital. Então, não sei como seria se não tivesse essa casa”, ressalta Gabrieli.

Além da orientação das profissionais de saúde, as mães têm a oportunidade de fazer novas amizades e trocar experiências com outras mães. Neste período, Gabrieli conversou bastante com Thamy Oliveira, 25 anos, também internada na Casa Mãe Tereza. Apesar de residir em Lages, Thamy aproveitou a estrutura da Casa Mãe Tereza para ficar mais perto da filha, Sofia, que nasceu prematura de 30 semanas. Sofia também precisava ganhar peso para deixar a UTI Neonatal. Thamy utilizou a estrutura para descansar nos intervalos dos cinco períodos de amamentação, a cada três horas. “É uma rotina cansativa, então é bom ter uma área disponível para descanso e para se alimentar”, destaca a jovem, que chegava a Casa Mãe Tereza às 7h30min e só retornava para a residência após as 21h30min.

Em cinco meses, 155 gestantes e puérperas atendidas

Foram atendidas 155 gestantes e puérperas do dia 19 de dezembro de 2017 até 4 de junho de 2018. Todas provenientes de diferentes municípios da Região Serrana e fora dela, como Anita Garibaldi, Correia Pinto, Lages, São Joaquim, Ponte Alta, Bom Retiro, Capão Alto, Bom Jardim da Serra, Campo Belo do Sul, São José do Cerrito, Urubici, Anita Garibaldi, Painel, Otacílio Costa, Palmeira, Ituporanga e Urupema. O tempo médio de permanência na Casa Mãe Tereza é de dez dias.

Conforme a enfermeira obstetra, responsável pela Rede Cegonha no Hospital Tereza Ramos (HTR) e pela Casa Mãe Tereza, Maiura Rosa, o serviço é mantido pela Secretaria de Estado da Saúde (SES), entre insumos, recursos humanos, aluguel, entre outros.

A Casa possui quatro técnicos em Enfermagem, sendo um nas 24h, duas enfermeiras obstetras, e serviços de apoio como Banco de Leite, nutrição, copa, almoxarifado, farmácia, zeladoria e equipe multiprofissional (médico, psicologia, assistente social e terapeuta ocupacional), servidores do HTR.

Número de atendimentos na Casa Mãe Tereza:

  • Janeiro

Total de atendimentos: 27

Total de Lages: 15

Outras localidades: 12

  • Fevereiro

Total de atendimentos: 28

Total de Lages: 17

Outras localidades: 11

  • Março

Total de atendimentos: 28

Total de Lages: 18

Outras localidades: 10

  • Abril

Total de atendimentos: 39

Total de Lages: 22

Outras localidades: 17

  • Maio e início de junho

Total de atendimentos: 33

Total de Lages: 23

Outras localidades: 10

Ponto de apoio importante

Para a coordenadora do Grupo Condutor Estadual da Rede Cegonha, Carmem Delziovo, ter um ponto de apoio no Hospital Tereza Ramos faz muita diferença para reduzir a mortalidade materna infantil e fetal.

“A Casa Mãe Tereza é importante porque as mulheres com gravidez de alto risco precisam de acompanhamento de médicos e enfermeiros, mas nem sempre precisam ficar internadas no hospital. Outra situação é a procura pelo atendimento hospitalar antes do início do trabalho de parto.

Antes da Casa Mãe Tereza quando as mulheres chegavam ao hospital para internar e não estavam ainda em trabalho de parto ativo retornavam para seus municípios de origem, muitos com grande distância de Lages.

O secretário de Estado da Saúde, Acélio Casagrande, comemora a evolução nos municípios da Serra e ressalta que o melhor tratamento é a prevenção às doenças e o diagnóstico precoce. “Com um bom pré-natal, oferecido nos municípios pela Atenção Básica, vamos cada vez mais reduzir a gravidez de alto risco. Para os casos que ainda houver, temos a UTI Neonatal preparada no Hospital Tereza Ramos, com o apoio da Casa Mãe Tereza, que tem prestado um atendimento excelente”, elogia.