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Rotina de assédios, das estudantes do CAV, motivou manifestações

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Estudantes se reuniram após relatos de assédios nos arredores da instituição - Foto: Camila Paes

Os relatos são muito parecidos: mulheres são assediadas por homens enquanto seguem o caminho à faculdade, ao trabalho, até suas casas. A grandiosa maioria dos casos acontece à luz do dia e com pessoas ao redor.

Nem isso intimida os assediadores. Cansadas de passar por essas experiências diariamente, as estudantes do Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV) em Lages criaram o Coletivo Feminino, onde reúnem as vítimas, seus relatos e começaram a luta por mais segurança ao redor da instituição.

Um questionário, organizado pela estudante Blenda Fernandes, 23, reúne 690 respostas sobre abusos. Em 300 delas, os participantes contaram suas histórias de assédio. Quem analisa os dados coletados percebe que as características são muito parecidas.

Muitas das meninas sofrem perseguição pela rua, homens passam a mão em seus corpos, carros começam a segui-las e até mesmo dentro do transporte público são assediadas por outros passageiros e, em alguns casos, por motoristas e cobradores.

Relatos

Karline Nesi, 22, revela que no ano passado, estava voltando para casa de ônibus quando percebeu uma atitude estranha do passageiro sentado atrás. “Ele parecia que estava se masturbando, mas não quis acreditar”, lembra.

Quando chegou no ponto onde deveria descer, no Bairro Universitário, Karline percebeu que o homem se levantou, fechou a calça e a seguiu. Para despistar, ela entrou em um supermercado na Avenida Dom Pedro II.

Mesmo assim, o homem continuou a segui-la pelos corredores e ao sair da loja, o assediador prosseguiu a perseguição. Com medo, Karline começou a correr e o homem, correu atrás dela. Só se sentiu segura quando entrou em casa e trancou a porta.

Ela ligou para a polícia, que informou que só poderiam registrar a ocorrência, caso o assediador estivesse junto. “O que nós vamos fazer? Pedir para o agressor esperar? E o que ele pode fazer enquanto isso?”, questiona.

Sabrina Vieira, 18, lembra que na primeira semana de aula na universidade estava no ônibus quando um senhor sentou ao seu lado. Ela percebeu que ele estava agindo de forma estranha e, sentindo-se desconfortável, ela levantou para mudar de assento.

Foi quando o homem segurou a mão dela, beijou e em seguida, passou as mãos em suas partes íntimas. Como reflexo, Sabrina deu um tapa no rosto do homem. Mas o que mais indignou a estudante é que, nenhuma pessoa no ônibus ofereceu ajuda após o fato.

Thalia Schilisting, 19, revela que assim como muitas outras estudantes já enfrentou o assédio do motorista de um Fox branco, com placas de Lages, que sempre anda pelos arredores da instituição. Lembra de um dia em que estava indo pegar um ônibus para voltar para sua cidade natal, em Bom Retiro, quando percebeu que estava sendo perseguida pelo homem.

Ele a seguiu por diversas ruas, em plena luz do dia. Thalia conseguiu despistá-lo, mas lembra que sentiu muito medo do que poderia acontecer. “Uns meses depois, vi ele parado em frente a uma academia e pensei em todas as outras mulheres que também passam por isso”, acrescenta a estudante.

Polícia reforçará rondas

Thalia, que tomou frente nas manifestações da última quarta-feira (7), revela que é comum o medo em pedir ajuda para as pessoas próximas. Outras estudantes do coletivo explicam que sentem medo de não serem levadas a sério e das pessoas não acreditarem.

Mas, com a repercussão da manifestação e o trabalho realizado pelo coletivo, as meninas esperam que isso mude. A estudante Naiara Dognani, 19, explica que a expectativa é que as outras pessoas percebam a gravidade da situação e que possam auxiliar as vítimas quando perceberem que estão acontecendo.

Quando se fala em assédio, há quem culpe a própria vítima pela agressão. Muitos utilizam desculpas como a roupa utilizada e o fato da pessoa estar alcoolizada. As meninas ressaltam que querem ser livres para poder usar qualquer tipo de vestimenta e que isso não tem relação com os assédios.

A liberdade de ir e vir, dentro e fora da universidade, é um dos direitos que defendem e que querem que seja compreendido pela sociedade.

Outro ponto destacado pelas meninas, é o fato da comunidade acadêmica realizar bastante festas e ser conhecida pelos grandes eventos. Elas ressaltam que, a grande maioria das festas são abertas e os casos de assédios acontecem por pessoas que não são da universidade.

Thalia explica que os próximos eventos terão outro clima, onde a campanha nacionalmente conhecida “não é não”, será amplamente divulgada.

A pesquisa reuniu 690 respostas, mostra que 80% das entrevistadas já sofreu mais de um assédio, 78% já viu acontecer, 94% são mulheres, 40% dos casos acontecem a tarde e 48% não costuma reagir.

PM

Após a manifestação, a Polícia Militar afirmou que intensificou as rondas nos arredores da instituição. Por meio de nota, informou também que, se o suspeito agressor for doente mental, o representante legal é o responsável.

Eles destacaram também que não é necessário o acompanhamento do suspeito na hora da denúncia e que a presença da vítima é fundamental para reconhecê-lo, relatar a agressão sofrida e, quando necessário, ser encaminhada para o exame de corpo de delito.

O texto ainda acrescenta que as denúncias podem ser feitas somente com a descrição das características, mas caso tenha poucos detalhes, reduz a possibilidade de êxito.

Direção se manifesta após denúncias

O diretor do CAV, João Fert Neto, afirma que é necessário chamar a atenção da sociedade. “É um problema que, de fato, existe e afeta a comunidade universitária. A segurança é fundamental”, acrescenta.

Além disso, ressaltou que a instituição apoia a causa e buscará atuar junto com as autoridades para diminuir a insegurança.

Hoje, o grupo participará de sessão da Câmara de Vereadores, às 18h. O convite partiu dos vereadores para ouvir as reivindicações do coletivo.

As estudantes ressaltam que toda a comunidade está convidada para participar do evento, já que mulheres de toda a cidade estão sujeitas a passar por essa situação.