QUE A VIDA NÃO SEJA
BREVE
O setembro amarelo acabou, mas o assunto SUICÍDIO deve ser tratado o ano todo. A cada 40 segundos, uma pessoa se suicida no mundo.
AGNES SAMANTHA
essencial@correiolageano.com.br
QUE A VIDA NÃO SEJA
O setembro amarelo acabou, mas o assunto SUICÍDIO deve ser tratado o ano todo. A cada 40 segundos, uma pessoa se suicida no mundo.
AGNES SAMANTHA
essencial@correiolageano.com.br
Você imagina como as coisas ficarão aqui, depois que você se for? Essa foi a frase que motivou a narração de “Breve”. Criação de uma equipe lageana, o curta foi desenvolvido em um mês e meio de gravações e 15 dias de edição. O escritor do roteiro, Fabricio Camargo, tem propriedade para falar sobre o tema suicídio, tão difundido, pela campanha do Setembro Amarelo.
Em 2011, depois de passar pela dor de perder um ente querido, Fabricio desenvolveu ansiedade, síndrome do pânico e depressão. Antes de descobrir o que tinha, durante as crises, rondava de médico em médico aguardando um diagnóstico. Cogitaram-se problemas neurológicos, cardíacos, até que ele foi a um psiquiatra e teve o parecer da depressão.
Na época, não tão distante, não se tratava o termo como uma doença. Ele, então, começou a tomar medicamento prescrito pelo profissional. O medicamento era muito forte e, após algum tempo, Fabricio abandonou o tratamento. Assim como muitas pessoas, ele começou a mascarar a doença, soterrava os dias em que não estava bem e fingia estar feliz.
Em 2018, as coisas explodiram, com três episódios de tentativa de suicídio, sua mãe lhe fez o questionamento e ele pensou então no roteiro de “Breve”. Uma de suas crises ocorreu durante as gravações do curta. Assim como ele, outras pessoas passam por situações semelhantes. Segundo dados do Centro de Valorização da Vida (CCV), a cada 40 segundos uma pessoa se mata no mundo.
Fabricio é um sobrevivente, diz que, por ter tanto acesso à informação, procurou por ajuda rapidamente. Mas isso não acontece sempre. Muitas pessoas que não têm tanto acesso às informações e estão apegados a uma cultura que hostiliza a depressão, considerando drama, acabam sendo vítimas da doença.
‘Breve’ busca passar uma mensagem diferente, sem romantizar o suicídio, a depressão ou a ansiedade, mas em uma tentativa de mostrar às pessoas que assim como alguém que quebra a perna não é cobrado para que ela volta ao lugar imediatamente, também não deve ser cobrado que alguém que tem depressão fique bem de imediato.
A depressão precisa ser tratada e está no ranking das principais doenças que afastam as pessoas do trabalho, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O conteúdo do curta pretende mostrar que não faz mal procurar por ajuda, que não é vergonhoso falar sobre isso.
No caso de Fabricio, a última crise foi exposta para todas as pessoas ao seu redor. Ele foi afastado do trabalho e passou algum tempo na casa de sua irmã, em outra cidade. Pensava no retorno e como seria a reação das pessoas quando voltasse à rotina. Mas afirma que em momento algum sentiu-se acuado, pelo contrário, sentiu-se acolhido.
Ele comenta que gostaria de ter encontrado seu curta na época das crises. “Observei que quando as pessoas passam por isso, guardam para sempre, mas devem falar, da sua forma, mas falar e ajudar outras pessoas que passam pela mesma situação.” Hoje, com uma sobrinha de 11 meses, ele sabe que cada passo dela faz a diferença. “Era algo que eu não iria ver se tivesse tomado uma decisão mais drástica.”
Fabricio Camargo, roteirista do curta-metragem
O cinegrafista Francisco Ramos, 21 anos, já havia trabalhado com outras produções. Mas o que o fez acreditar no Breve foi a história do amigo relatada ali.
Mesmo sendo uma ficção, a obra tem muita realidade envolvida. Quando pensaram na produção, a ideia era totalmente diferente. Uma ficção científica para inscrever no festival de curtas, que era bacana, mas não era o ideal para aquele momento.
Foi quando Fabricio falou para o amigo que tinha escrito outro roteiro, baseado nas suas experiências.
As gravações duraram cerca de um mês e meio, sem envolvimento financeiro, a produção da obra teve auxílio de muitos amigos, direta ou indiretamente.
Apesar de tantos braços, Francisco diz que tem muito do Fabrício na obra. “Não só porque ele passou por isso, mas pela maneira que viu o mundo depois da doença.”
Para ele, uma das partes mais complicadas de gravar, foi o momento que “Conrado” admite o erro dele e pede desculpas. A interpretação fez com que todos prestassem atenção. “Nas demais cenas, quando acabavam as gravações, todos comemoravam, mas nessa, não. Todo mundo continuou em silêncio. Parecia que estava acontecendo de verdade,” conta ele.
A produção é um orgulho, não só para ele como para a equipe. A ideia é levar o Curta para fora, expandir. Outras filmagens são planos futuros. “Ainda há muito o que trabalhar no Breve.”
Francisco Ramos foi quem filmou o projeto
Giovanna Dall interpreta Clarisse
Giovanna Dall foi procurada por Fabricio e Francisco, inicialmente, para um curta com outro enredo, totalmente fictício. Mas quando recebeu o roteiro de ‘Breve’, foi emoção à primeira vista. Ela passava por uma fase complicada, o término de um relacionamento e muito do Conrado e da Clarisse existia nela. “Eu aceitei participar por gostar das produções e acreditar no trabalho,” conta ela.
Mesmo sem ter presenciado, o tema se fez presente na vida dela. Quando um tio se suicidou e na faculdade. Graduanda de enfermagem, na matéria de saúde mental trabalhou com uma família na qual um parente havia se suicidado. Por isso, sentiu-se muito perto do assunto. “É hipocrisia ser jovem e dizer que não pensou em suicídio, com a faculdade, a rotina movimentada, aprendendo a lidar com os problemas.”
O estudo de caso e a vivência na faculdade ajudou muito na sua atuação do curta, a família vivenciava o luto, assim como a Clarisse. Muitas das cenas de tristeza não eram apenas da personagem, mas eram pessoais. O curta veio na sua vida em um momento de muitas mudanças e mágoa. “E ele fala de suicídio, mas também sobre perdas e recomeços. Eu sentia isso na pele, foi um desafio muito grande, mas também tive conforto na equipe.”
Para ela, a cena mais difícil foi a da briga, pois era desgastante, e relata que depois que acabava, paravam todos para respirar por cinco minutos. “Eu sofria pela Clarisse e ela sofria por mim.” diz para finalizar. Você pode acompanhar os trabalhos nas redes sociais através do Instagram @breveocurta e no youtube em Breve o Curta
Para a Neuropsicóloga Cognitivo Comportamental com Formação em Terapia do Esquema, Marjorie Jasper Dall’Asta (CRP 12/07371), que participou de um dos fóruns do ‘Breve’, essa questão fica em evidencia no curta.
Na oportunidade, as pessoas que estavam no local começaram a contar experiências pessoais. Segundo ela, no primeiro momento de uma forma mais reservada, sem muitos detalhes, assim como acontece na sociedade de forma geral. As pessoas têm dificuldade em falar sobre o suicídio, sobre suas experiências, sobre as pessoas que conhecem e passaram por isso, como se tivessem vergonha, como se isso fosse uma fraqueza.
A importância de tratar sobre o assunto não é apenas para quem já passou por uma situação, mas também para quem nunca vivenciou, mas pode saber um pouco mais e ajudar quem precisa. Segundo o Ministério da Saúde, Lages está entre as cidades com maior índice de suicídios de Santa Catarina. Depois de instaurado o Setembro Amarelo foi percebido o quanto era necessário tratar do assunto, sobre as patologias e psicopatologias que levam ao suicídio.
Assim, como outras campanhas de prevenção, de DSTs, por exemplo, que funcionam, pois esclarecem dúvidas que por muito tempo ficaram sem respostas, a prevenção ao suicídio funciona da mesma forma. Segundo a neuropsicóloga, existem psicopatologias, como depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno de personalidade bipolar, entre outras, e o esclarecimento ajuda a estar atendo aos sinais. O principal deles, a mudança de comportamento.
No caso da depressão, pensando nos sintomas clássicos, a pessoa terá alteração de apetite, rebaixamento de humor, ficará isolada. E, de repente, em uma semana resolveu fazer visitas, mandar mensagem para várias pessoas, escrever coisas como se estivesse se despedindo, resolveu fazer um seguro ou um testamento. “Isso pode ser um indício,” comenta Marjorie.
O mais importante é estar próximo às pessoas que passam por períodos de grande tristeza e por traumas. Estar disponível e se mostras desta forma. Mesmo que de forma repetitiva, sempre dizer ‘eu estou aqui’. Procurar por um profissional também é de extrema importância. Nos casos mais graves, a pessoa não irá procurar e, por isso, a família deve estar atenta e ir atrás do tratamento.
Quando se trata de um trauma, como a perda de alguém da família, esse pode desencadear alterações neuroquímicas, levando, muitas vezes, aos pensamentos suicidas. “Para que a pessoa tenha esses pensamentos, ela precisa estar triste, pois, em geral, o impulso do ser humano é preservar a vida.”
Mas é necessário entender que cada pessoa lida com situações de forma diferente e quando alguém passa por um período traumático não quer dizer que não está sabendo lidar com a situação.
Assim, como existem quadros de depressão em que a pessoa não pensa em se matar. Em alguns casos, mesmo com uma tristeza profunda, a pessoa não quer morrer, ela se afasta disso. É de suma importância que o paciente tenha acompanhamento dos familiares e amigos. Durante os períodos em que a pessoa não está no atendimento, podem ocorrer os pensamentos ruins. Então, mantenha contato, ligue, enviei mensagens, se faça presente.
Marjorie Jasper Dall’Asta, Neuropsicóloga Cognitivo Comportamental com Formação em Terapia do Esquema
No caso de adolescentes, o índice vem crescendo. É o momento em que já não se é mais crianças e começam os reconhecimentos de grupos. Assim, os jovens se sujeitam a situações para serem inseridos nessas turmas. E quando isso não acontece, desencadeiam vários fatores, a fase em que se vive, os sentimentos aflorados, a urgência para resultados imediatos e a presença constante das mídias sociais.
Adriele Varela, 16 anos, se diz uma pessoa sensível, às vezes, se considera até dramática. Com 11 anos, passou pela primeira experiência de conversar com uma criança que apresentava sintomas de depressão. Hoje, o menino é seu melhor amigo e ela relata que no primeiro instante não percebeu esses sintomas, mas depois de um tempo, através de algumas conversas pelas redes sociais, percebeu que ele tentava se excluir e afastá-la.
Com a evolução das conversas percebeu os traços de sofrimento causados por algo que ela não sabia identificar. Foi quando descobriu que ele se automutilava e nem seus familiares percebiam. “Mas eu percebi e pude ajudar, me sinto grata por isso,” diz. Outro caso semelhante aconteceu com uma amiga. Ela vivia ressentida, também tinha traços de automutilação e demonstrava descontentamento com o corpo.
Eles tinham receio em procurar ajuda e foi através de conversas que isso aconteceu. Para a jovem Adriele, as pessoas devem estar atentas aos seus amigos e familiares. Ficar à disposição para ajudar. “Mesmo quando a pessoa rejeita, não se afastar tão fácil. Temos que fazer algo a respeito”.
Privar as tecnologias não é o caminho, pois os jovens estão crescendo e viverão em um mundo tecnológico. Porém, Marjorie ressalta a questão de se fazer presente e acompanhar mesmo que isso pareça chato. “Dizer, eu estou aqui, como estão as coisas na escola, falar sobre diversos assuntos, interagir com seu filho.”
Os seres humanos são sociais, vivem em grupo, seja na família, na escola ou no ambiente de trabalho. Por isso, é importante escutar quem pede ajuda. Quem comete o suicídio não é egoísta, não fez isso por não ter pensado nas pessoas que o amam, muitas vezes, ele pensa que resolveria o problema dessas pessoas não estando mais ali. “E o curta aborda muito bem isso, faz refletir”.
Adriele tem um amigo que relatava os sintomas de depressão, mas pode ajudá-lo antes que o pior acontecesse
Se algo não está bem, fale, procure ajuda. O 188, número do Centro de Valorização da Vida, é gratuito e oferece ajuda 24 horas por dia. Em Lages, as universidades e as Unidades Básicas de Saúde também fazem atendimento.