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129 anos da Proclamação da República do Brasil

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Quadro Proclamação da República, 1893, óleo sobre tela de Benedito Calixto (1853-1927). Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo - Foto:

A Proclamação da República ocorrida em 1889, segundo historiadores, aconteceu de forma tranquila, entretanto, os anos seguintes foram de incertezas. Os militares tiveram bastante influência nos primeiros anos da República, mas não eram os únicos a disputar o poder. Dois anos depois, em 1891, foi promulgada a primeira constituição do período. O feriado de 15 de novembro comemora a data que completa, na quinta-feira (15), 129 anos.

Apesar dos ideais republicanos serem anteriores a 1889, a República, segundo o historiador Fabiano Garcia, custou a ser instaurada. “Foi, por muito tempo, uma tradição esquecida e que sobreviveu às margens da política no passado, mas que logrou deixar contribuições em momentos críticos, encarnando-se ao longo do século XIX em movimentos insurgentes contra a coroa, mesmo antes de se consolidar como ideário hegemônico, com jornais e clubes espalhados pelo país”, comenta.

Os dois primeiros presidentes, ainda no século XIX, foram militares, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, ambos com patente de marechal, e foram escolhidos pelo voto indireto. No início do século XX, eram as oligarquias estaduais e os coronéis que dominavam a política. Na época, o voto não era obrigatório, mas mulheres, analfabetos, mendigos e praças militares (soldado e cabo) não dispunham desse direito. As mulheres só conseguiram o direito ao voto na década de 1930, após muita luta de feministas.

Quem podia votar, pouco se interessava em participar, pois como diz o historiador Boris Fausto no livro “História Concisa do Brasil”, o povo encarava a política como um jogo entre os grandes ou uma troca de favores. O descrédito com a política e seus representantes, não é coisa do passado. Nas eleições de 2018, apesar de o voto ser obrigatório, muitos eleitores deixaram de votar, ou votaram nulo e branco.

Foram quase 30 milhões de abstenções, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No segundo turno das eleições presidenciais, neste ano, o percentual de votos nulos e brancos chegou a 7,4%, o maior registrado desde 1989. “Nenhuma República nasceu pronta. ela é construída historicamente, com percalços e como resultado de muitas lutas travadas ao longo do tempo”, reflete Garcia.

Retornando aos fatos do passado, o movimento republicano não envolveu apenas integrantes das forças armadas, mas a elite econômica, os fazendeiros de café paulistas. Apesar de configurar como um golpe, o fim da Mornarquia foi politicamente moderado e socialmente conservador.

“E o fato de um golpe militar demarcar a instauração da nossa república nos diz muito sobre os desdobramentos posteriores – Prudente de Morais, o primeiro civil a tomar posse, só o fez em 1894 -, embora essa característica “militar” também esteja presente na história de outros países, na conjuntura política latino-americana. O que nos distingue, verdadeiramente, é que fomos o último país da América a se tornar republicano, deixando de ser uma figura exótica entre outras repúblicas, e com um peso de quase 400 anos de escravidão nas costas”, afirma o historiador.

De Vargas a Juscelino

Em 1930, Júlio Prestes, do Partido Republicano Paulista, foi eleito presidente, mas não assumiu. Entre 3 e 24 de outubro daquele ano, ocorreu a Revolução de 30, que depôs Washington Luís e impediu a posse do sucessor, levando ao poder o político gaúcho que ficou 15 anos no poder. Getúlio Vargas foi o responsável pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas também foi, a partir de 1937, um ditador, no período conhecido como Estado Novo.

O Brasil também participou da Segunda Guerra Mundial, de 1944 a 1945, lutando ao lado das potências Aliadas (Estados Unidos, Inglaterra e União Soviética) contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Depois disso, o país inicia um novo processo democrático. Eurico Gaspar Dutra assumiu, em 1946, mesmo ano que é promulgada uma nova constituição. Até 1964, quando acontece o Golpe Militar, com participação de setores civis, o período não foi de tranquilidade. Getúlio, eleito presidente em 1951, cometeu suicídio em 1954. E, no final de 1955, para garantir a posse de Juscelino Kubitschek (PSD), o lageano Nereu Ramos assumiu a Presidência, permanecendo 81 dias no comando da Nação.

Década de 1960 e a Ditadura

A dupla Jânio Quadros (PTN) e João Goulart (PTB) não conseguiu terminar o mandato de cinco anos. O primeiro renunciou após cerca de sete meses e o outro teve dificuldade para assumir e sofreu, após cerca de dois anos de meio, o golpe. A partir disso tivemos 21 anos de Ditadura Militar, com cinco presidentes militares, um vice-presidente civil impedido de tomar posse e uma junta provisória, formada por militares, que governou por 60 dias.

Foi um período, ainda que nostálgico para parte da população, de ausência de democracia e de liberdade de imprensa, perseguições políticas, mortes e torturas. “As experiências democráticas no Brasil, infelizmente, foram muito curtas e sempre interrompidas bruscamente, com forças cujos interesses ainda precisam ser mais bem analisados e explicados. Se contarmos os períodos em que a maioria da população pôde escolher seus representantes a partir do voto livre, em que diferentes partidos puderam disputar os pleitos, efetivamente, e que a chapa eleita para a Presidência pôde terminar seu mandato, temos um período mínimo, que parece insuficiente para formar uma tradição forte, que conte com pessoas dispostas a defender uma via democrática mais radical. No entanto, mesmo nestes poucos anos, ficou mais ou menos demonstrado que somos um país capaz de se organizar de forma soberana, contando com uma administração republicana e democrática, em que as pessoas comuns podem efetivamente participar da política e deixar contribuições fundamentais”, explica Garcia.

A retomada da democracia

No início da década de 1980, começa a florescer no Brasil o pedido de democracia. Em 1983 e 1984 explode, o movimento Diretas Já. Tancredo Neves (MDB) foi o escolhido pelo Congresso, e era a esperança do povo. Mas nem chegou a assumir, morreu  vítima de doença no intestino. O vice, José Sarney, do mesmo partido, embora ligado aos governos militares, foi o responsável em guiar o Brasil na retomada da democracia. O seu governo foi marcado pela alta inflação – herança da Ditadura – e diversos planos econômicos.

Desde 1990, o Brasil teve seis presidentes, Fernando Collor (PRN), que teve apoio de grupos econômicos e de partidos como PFL, PDS e boa parte do PMDB, que se aproveitou do receio que a eleição colocasse no poder políticos de esquerda, como Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Leonel Brizola (PDT). Com uma carreira meteórica, o descendente de uma rica família de políticos e empresários, sofreu a pressão das ruas no movimento chamado Caras Pintadas, que pedia a saída do então presidente. No dia 29 de setembro de 1992, a Câmara dos Deputados decidiu afastar Collor do poder.

Três meses depois, antes de ser julgado e impedido definitivamente pelo Senado Federal, Collor renunciou. O ex-prefeito de Lages, então senador, Dirceu Carneiro (PMDB), foi quem encaminhou a assinatura do impeachment de Collor, em 1992 e também deu posse a Itamar Franco. “Collor estava tão nervoso que não conseguia assinar o afastamento, se não firmando a mão inteira e mexendo só os dedos. Ele não conseguia nem ver a hora e olhou umas três vezes no relógio. Foi um momento marcante”, lembrou Dirceu Carneiro em entrevista ao jornalista do Correio Lageano, Adecir Morais, em 2014.

O governo de Itamar Franco ficou marcado pelo plano real, que tinha como objetivo enfrentar a inflação. Durante a transição do cruzeiro para o real (a nova moeda), foi utilizada a Unidade Real de Valor (URV), um indexador cuja função era corrigir diariamente os preços até a adoção da nova moeda. O coordenador da equipe economia foi Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo que tornou-se presidente por oito ano pelo PSDB. Seu governo manteve a estabilidade econômica, e ficou marcado pelas privatizações de estatais e a Emenda Constitucional da reeleição. Antes dele, o mandato era de cinco anos, sem possibilidade de reeleição.

De 2003 a 2011 o presidente foi Lula, do Partido dos Trabalhadores. O seu governo, especialmente o primeiro mandato, foi marcado por crescimento econômico e, entretanto, teve também escândalos de corrupção, como o Mensalão. Realizou ações nas áreas sociais, ampliando os programas de distribuição de renda. Dilma Rousseff, também do PT, assumiu em 2012 e, novamente, em 2016, mas ficou apenas um ano e 243 dias até sofrer impeachment. O vice Michel Temer (MDB) assumiu e vai entregar a faixa, no dia 1º de janeiro de 2019, ao presidente eleito, o capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL). A eleição deste ano foi marcada por forte polarização, especialmente no segundo turno, disputado entre Bolsonaro e Fernando Haddad (PT).

Entrevista: Professor e pesquisador nas áreas de história e educação, Carlo Alberto Bertaiolli

Correio Lageano: Nossa república é nova. Neste ano, completa 129 anos. Como o senhor, enquanto historiador e professor, entende a relação do processo da Proclamação da República com os caminhos tomados pelo Brasil?

Carlo Alberto Bertaiolli: O século XX foi intenso, vivemos processos que marcaram a história mundial, como as duas grandes guerras mundiais, a Revolução Russa em 1917, a própria Guerra Fria, entre muitos outros. Assim, muitos dos processos históricos vivenciados em nosso país nesses anos republicanos precisam ser entendidos como parte desse movimento histórico. Não podemos analisar a História da República Brasileira sem levar em conta tudo o que o mundo viveu durante esse tempo em que somos republicanos. O mundial e o nacional se entrecruzam constantemente de modo que uma realidade cria a outra, e vice-versa.

Desde a proclamação, tivemos momentos de falta de liberdade, como  as ditaduras de Getúlio Vargas (Estado Novo) e Militar (21 anos). Há alguma relação com o fato de os primeiros presidentes serem militares e os períodos de autoritarismo?

Essa questão é muito capciosa! Primeiro, porque nossa noção de liberdade ao longo do tempo muda. Aquilo que uma pessoa, hoje, entende por liberdade, certamente é diferente daquilo que um cidadão das décadas de 40 do século XX ou das décadas de 70/80 entendia. Todos os governos/governantes têm suas realizações, suas conquistas e suas fragilidades, sejam eles democráticos ou ditatoriais. Vivemos ditaduras ao longo do século XX, e isso é fato, assim como também o é que nesses períodos históricos nem todas as pessoas sentiram-se impedidas de ser livres. Não podemos olhar o passado com os olhos do presente ou com um único ponto de vista, ou seja, não podemos julgá-lo… Precisamos conhecê-lo e compreendê-lo em sua complexidade e diversidade!

Assim, penso não ser adequado associar essa suposta “falta de liberdade” apenas com a questão militar, pois este discurso tenderia a reduzir e desvalorizar a participação das forças armadas no processo histórico brasileiro.

Que reflexões podemos/devemos ter a respeito do passado e a relação com que vivemos hoje no Brasil?

A História é uma ciência do presente! Quem a estuda tem o corpo e a alma no presente e, ao voltar ao passado, busca conhecer os processos históricos para compreender o momento presente de sua existência. Com certeza, muito do que vivemos na atualidade é resultado de construções históricas, e isso precisa ser entendido por nós com muita coragem e lucidez para assumirmos, enquanto sociedade, nossas escolhas e suas consequências.

Temos, nesses tempos, muitas pessoas desqualificando a História enquanto ciência. Qual o perigo de negar os fatos históricos?

Negar a História é negar a si mesmo! Todos têm o direito de não concordar com uma determinada visão de mundo ou entendimento histórico, mas negá-lo enquanto fato e/ou processo histórico é uma ingenuidade. Nós, brasileiros, ainda temos um longo caminho a percorrer no quesito consciência histórica. Nas últimas décadas, a democratização e o acesso à informação cresceram muito, mas isso não significa que as pessoas têm maturidade ou condições de utilizar a informação de forma adequada. A prova disso é a enxurrada de fake News e os já conhecidos impactos disso em nossa sociedade mundial.

Entendo, também, que precisamos romper com essa visão reducionista que coloca a História como uma espécie de “vilã socialista/comunista”. Nós, historiadores e professores de história, não devemos ser doutrinadores de nenhuma posição política, mas sim profissionais que proporcionam o conhecimento de muitas visões e opiniões, para que o estudante/leitor tenha a liberdade de construir seu entendimento.

A História tem múltiplas correntes teóricas e metodológicas, e isso é o que torna essa ciência tão rica, diversificada e democrática. Ela nos permite discutir e analisar uma infinidade de situações sob os mais diversos olhares. Dessa forma, ter consciência histórica não é excluir assuntos do ensino ou do debate, mas sim discutir sua própria história com a maturidade de compreender que muitas são as visões/entendimentos de mundo e que nenhuma delas pode ser imposta como a única verdadeira ou excluída sob o pretexto de ser errônea.

Precisamos aprender a debater sem impor, sem brigar, sem desfazer amizades. E a única forma disso acontecer é superarmos nossos medos do desconhecido! Mais do que consumir conteúdos nas mídias de massa, devemos aprender a transitar nesse terreno da diversidade de ideias com profundidade e maturidade para que possamos usufruir daquela que, para mim, é a forma mais importante de liberdade: a convivência pacífica, o respeito à vida, ao ser humano e à diversidade em suas diferentes instâncias.

Entrevista: Historiador e mestre em História Cultural, Fabiano Garcia

Correio Lageano: A forma como ocorreu a Proclamação, com militares no poder no primeiro governo republicano, tem reflexo ainda hoje?

Fabiano Garcia: Com certeza a instauração e a forma do processo republicano, seus inúmeros embates e desdobramentos, ainda hoje repercutem na forma como pensamos o processo político brasileiro. No entanto, é importante distinguir, historicamente, algumas características. Ainda que se apresente como uma instituição una e indivisível, e tenha sido um setor ativo da vida republicana, os militares nem sempre formaram uma instituição homogênea, isenta de tensões internas. Para entender a participação destes no golpe que instaurou a república, por exemplo, é importante compreender os desdobramentos acontecidos após a Guerra do Paraguai, momento em que os militares passaram a exigir maior participação na vida política, melhor remuneração e estrutura. É esta geração de oficiais que, influenciados, sobretudo, pelo Positivismo em seus tempos de formação, a exemplo de Benjamin Constant, participaram dos desfechos de 1892. Mas estes tiveram que disputar com outras correntes militares e tendências ideológicas, dentro das próprias Forças Armadas (como o Evolucionismo). E, apesar de militares como os de 1964, não representam o mesmo ideário político, nem sintetizam as mesmas forças e interesses históricos que aqueles. Neste caso, é preciso notar que foi um setor do Exército, nomeadamente, que, associado ao poder financeiro paulista, à aristocracia cafeeira, assegurou o golpe republicano contra Dom Pedro II, muito diferente do que veio a acontecer anos mais tarde, na década de 1960.

A História está sendo questionada, inclusive, com a negação de fatos históricos no Brasil e no mundo. Qual risco corremos com esse tipo de pensamento?

É difícil supor o tamanho do desafio que teremos pela frente, como historiadores ou como pessoas preocupadas com o futuro. É algo muito sério. Há quem defenda que estamos na era da pós-verdade, o que talvez faça sentido. Mas para entendermos a realidade, já há alguns séculos, nos embasamos em evidências. É um princípio básico. Mesmo que passível de crítica é preciso comprovar o que se diz, e que as fontes e as informações possam ser checadas por todos. Hoje, há grande difusão da ideia de que nada é confiável, de que tudo pode ter uma infinidade de interpretações alternativas, e de que qualquer pessoa pode ser detentora de sua verdade histórica. Isso até é saudável até certo ponto (para que as pessoas busquem desenvolver o senso crítico), mas quando se extrapola a fronteira do bom senso, e impera o simples achismo, estamos em maus lençóis. Isso não é saudável para nenhuma democracia, nenhum governo republicano, nenhuma sociedade que preze pela verdade, já que se exige transparência e algum compromisso com a veracidade das coisas. Raramente existe uma única verdade sobre algo. Mas há, no entanto, a necessidade de, na condição de interpretação histórica, ser algo respaldado por fontes. É necessário que a interpretação passe por verificações e questionamentos, até que se chegue a um denominador comum. Há versões da história muito minoritárias que servem apenas a despropósitos, a interesses moralmente reprováveis, que não podem ser aceitas porque são inverídicas, até mesmo criminosas. Há quem diga que não houve genocídio indígena, não houve escravidão, não houve holocausto, não houve ditadura, etc. qual a razão disso? O caso da interferência de interesses externos em processos eleitorais, em países democráticos, mais recentemente, com a difusão de notícias falsas por redes sociais também precisará ser debatido. É algo complexo que teremos que aprender a tratar, rebater com inteligência, conversando com as pessoas. Uma saída importante é contar com mecanismos de checagem, no caso da imprensa. No caso da história, cabe depositar alguma confiança no trabalho desenvolvido pelos historiadores comprometidos com o ofício. Caso contrário, sairemos todos no prejuízo.

 

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